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Luiz Philippe Orleans e Bragança – Gazeta do Povo
Bancos, governo federal e indústria seriam os favorecidos.| Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas / arquivo / Gazeta do Povo
Quem ganha e quem perde com a Reforma Tributária, cujas propostas estão sendo avaliadas no grupo de Trabalho (PEC 110 e PEC 45)? Todas as vantagens vão para os bancos, as grandes indústrias e o governo da União. Quem vai arcar com os prejuízos das medidas são as pequenas e médias empresas dos setores da indústria, comércio e serviços; o agronegócio, os governos dos estados, dos municípios e finalmente o consumidor final. É consenso que temos talvez o pior sistema tributário do mundo. Mas a transição e o resultado de qualquer um dos modelos que se adotem podem ser mais destrutivos do que conviver com o atual sistema. Por quê?
Para responder a esta questão, precisamos examinar os detalhes de cada modelo e apontar o que cada grupo sai ganhando ou perdendo. Primeiro, vamos definir o projeto que está sendo discutido: o imposto sobre valor agregado (IVA). Nessa estrutura, os impostos são cobrados no consumo, seja entre empresas ou entre empresas e pessoas físicas, como é hoje a cobrança do ICMS e ISS. O IVA é cobrado a cada etapa de produção de um bem ou serviço. Bens e serviços que dependem de vários fornecedores acumulam todos os impostos cobrados na cadeia produtiva, por isso o IVA é cumulativo: isso também já ocorre no modelo atual com IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS. A diferença é que no modelo tanto da PEC 110 como da PEC 45, depois de cobrado o imposto IVA, o governo devolve para os fornecedores e para os consumidores de baixa renda os créditos de impostos pagos na compra do bem e do serviço para evitar a cumulatividade e a regressividade, respectivamente.
Além do mecanismo de devolução de crédito, está sendo discutido fazer uma alíquota única para todos os produtos e serviços de todos os segmentos, em que tudo será definido por um comitê gestor central – em Brasília, é claro – para evitar “complexidade” e “guerra fiscal”. Essa é a tese. Os problemas estão nos detalhes; e a realidade logo aparece para quem paga a conta. Vejamos quem perderá, para esclarecer melhor o impacto do modelo discutido.
Os consumidores pagarão mais, e com a unificação de alíquotas não haverá opções ou espaço para os estados praticarem preços mais baixos. O IVA é regressivo por natureza.
Primeiro, pequenas e médias empresas de todos os setores sofrerão com aumento de custos operacionais, complexidade e desincentivo ao investimento. Terão que conviver com os dois modelos (o atual e o novo) durante um longo período de transição e terão de se adaptar ao lucro real para poder obter créditos. Além disso, terão de incorporar os dois modelos tributários nos seus custos, o que deve gerar custos operacionais maiores. Caso seja implementada uma alíquota única, é muito provável que empresas em vários estados sofrerão perdas de receitas, pois o preço final de seus bens e serviços deve aumentar, o que pode gerar desemprego e é provável que muitas empresas deixem de existir. Para agravar o tema, o investimento deve diminuir, já que a insegurança de se investir aumenta, uma vez que durante a transição não ficará claro o cálculo de retorno futuro dos investimentos.
Segundo, os consumidores pagarão mais, e com a unificação de alíquotas não haverá opções ou espaço para os estados praticarem preços mais baixos. O IVA é regressivo por natureza. Ou seja, quem tem baixa renda paga mais proporcionalmente do que quem é rico, e mesmo que um sistema de devolução seja implementado, o custo inicial para o consumidor sempre vai ser alto. Sob a luz dos trilhões em disputas judiciais por repasses que existem no Brasil, o sistema dependerá ainda mais de repasses.
Terceiro, o setor de comércio e de serviços deve sofrer aumento de alíquotas. Não é difícil imaginar qual será o impacto em serviços de contadores, advogados, médicos e escolas que terão de cobrar alíquotas nas alturas. O pior é que não haverá um só estado para onde esses serviços poderão escapar, pois mecanismos de exceções, isenções desonerações, quando definidos centralmente, acabam por eliminar as possibilidades locais de ajuste. Isso é muito perigoso para a sobrevivência de vários comércios e serviços em alguns estados mais carentes e qualquer proposta que pregue homogeneização de alíquotas precisa planejar perda de atividade econômica.
Os governos dos estados e municípios perderão autonomia regulatória. Os estados dependerão exclusivamente dos repasses do comitê gestor de Brasília.
Quarto, o setor do agronegócio, além de sofrer com a complexidade na transição, também será pressionado com a necessidade de gestão de fluxo de caixa. Lembremos que um produtor rural tem de sobreviver com o caixa gerado de safra em safra, e manter a fazenda operando o ano todo quando se realiza receita em parcos intervalos: é um desafio. Sem falar na volatilidade de preços que afeta todos os produtos agrícolas e a pecuária.
Quinto, os governos dos estados e municípios perderão autonomia regulatória. Cada estado e município tem regras próprias para viabilizar indústria, comércio e serviços em suas localidades. Com a consolidação de todos impostos estaduais e municipais no IVA, os estados dependerão exclusivamente dos repasses do comitê gestor de Brasília e não poderão adaptar suas legislações para abrigar novas indústrias. Ainda terão alguma liberdade de estabelecer alíquotas, mas com muito menos opções. Perdem autonomia, o que pode inviabilizar estados e municípios, tornando-os mais dependentes de repasses do governo federal.
Depois de tantas desvantagens, quem ganha com esse modelo? Há três ganhadores.
O governo federal e a burocracia da União em Brasília passarão a comandar todo o sistema tributário do Brasil. Acabará de fato com o sistema federativo, que existirá somente no papel. O poder de barganha política do presidente da república será potencializado ao máximo sobre os prefeitos e governadores. Além desse detalhe que ninguém menciona, está patente que o atual governo quer arrecadar mais. Muito mais. E um modelo arrecadatório concentrado em Brasília facilita materializar essa vontade.
Bancos não sofrem impacto com impostos sobre consumo e não sofrerão com a mudança. Também não têm nenhum ganho direto, mas alguns indiretos importantes. A expectativa é de que o volume arrecadado seja maior, assim como o gasto do governo, o que gera mais giro financeiro para os bancos vinculados. Há também o benefício, para eles, de terem que lidar com menos entidades federativas: as contas dos estados e municípios terão menos recursos e a concentração de recursos nas contas do governo federal será maciça. Todos sabemos que bancos ganham com concentração e movimentação de grandes volumes e esse modelo é ideal para isso.
Grandes indústrias têm interesse no projeto, pois sofrem muito com o efeito cascata da cumulatividade de impostos. O IVA é um modelo desenhado para resolver isso. Mas não é o único e muitos representantes das indústrias foram levados a crer que era. A PEC 007 de 2020, que desenhou uma proposta em torno do modelo de Sales Tax, dos EUA, também resolveria a questão de cumulatividade, sem criar nenhum dos demais problemas mencionados acima.
Cortar gastos e estabelecer equilíbrio fiscal já seria um primeiro passo para reduzir alíquotas no atual sistema tributário, mas a PEC 007 pode fazer o mesmo e reestruturar outros impostos. Entretanto, propostas alternativas às do governo não estão sendo contempladas. O debate técnico foi colocado à parte e o aspecto político foi privilegiado, deixando claro que a intenção é concentrar o poder e a arrecadação, controlando todo o dinheiro dos brasileiros no bolso do governo.
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