O que nos diferencia da inteligência artificial

Para que elaboremos uma questão, é preciso, em primeiro lugar, identificar algo que não sabemos

Por Daniel Martins de Barros – Jornal Estadão

Você sabe a resposta definitiva? A resposta final? Eu sei, e vou lhe dizer. É quarenta e dois. Sim, aprendi lendo a série de livros do Guia do Mochileiro das Galáxias, do genial autor britânico Douglas Adams.

Na história seres alienígenas criam um supercomputador, chamado Pensamento Profundo, com objetivo de descobrir a resposta definitiva para a vida, o universo e tudo mais. Após calcular durante eras a fio, ele finalmente apresenta a resposta. Quarenta e dois.

Diante da perplexidade dos seus criadores ele explica que essa é a resposta, e que agora seria preciso descobrir qual era a pergunta.

Fazer perguntas, ao que parece, pode ser mais complicado do que imaginamos. Temos a impressão de que é natural, já que até crianças as fazem – e aos montes.

Mas, para que nós elaboremos uma pergunta, é necessário um grande exercício mental. Será preciso, em primeiro lugar, identificar algo que não sabemos. Um exercício de humildade nem sempre fácil de se praticar.

Além disso, há que se imaginar que tal conhecimento existe, mesmo que nos escape – novamente, algo não muito instintivo. E não para por aí: é preciso ainda se intuir onde tal conhecimento resida, de modo a lançar a pergunta na direção correta.

O questionamento bem-feito carrega também pressupostos sobre o funcionamento do mundo, das pessoas, das ideias. Quando uma criança pergunta para onde a escuridão vai quando acendemos a luz, ela está já pressupondo que as coisas não desaparecem simplesmente, mas que permanecem de alguma maneira, ainda que transformadas ou em outro lugar.

Com isso, é possível até mesmo mentir fazendo perguntas. Caso eu pergunte: você sabe se o fulano foi mesmo acusado de pedofilia? Mesmo sabendo que isso não aconteceu, poucos discordam de que se trata de uma tentativa de engano.

O sucesso alcançado pelos softwares de inteligência artificial, como o ChatGPT, que oferecem respostas a praticamente quaisquer perguntas, simulando um diálogo humano praticamente perfeito, nos fazem esquecer que aquilo é apenas uma simulação.

ChatGPT pode ajudar com respostas, mas para dúvidas, nós, humanos, somos melhores
ChatGPT pode ajudar com respostas, mas para dúvidas, nós, humanos, somos melhores Foto: YANN SCHREIBER/AFP

Não existe consciência subjacente àquelas frases. Não existe um raciocínio real. Não se trata de uma mente. Perceba que, a não ser para esclarecer algum ponto da conversa, o software jamais faz perguntas, não questiona profundamente nem seu interlocutor nem a si mesmo. Para que isso acontecesse seria preciso antes existir alguém consciente de si mesmo.

A inteligência artificial pode ter todas as respostas do mundo. Mas quando se trata de fazer perguntas – e consequentemente sofrer com dúvidas, crises existenciais, angústias – nada supera os humanos.

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