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Luciano Trigo – Gazeta do Povo


| Foto: Reprodução Instagram

Leio que o novo arcabouço fiscal será apresentado hoje pelo ministro da Fazenda. A depender do teor da proposta, o humor do mercado pode melhorar um pouco – ou piorar de vez. O fato é que as más notícias se acumulam, e o clima não está bom.

Para citar apenas notícias de ontem: o crédito recuou em janeiro, após 11 meses seguidos de expansão; dez bancos suspenderam empréstimos consignados para aposentados, por causa de uma canetada que reduziu o teto de juros do mecanismo; a produção industrial teve a maior queda para fevereiro desde 2017, segundo pesquisa da CNI; e o otimismo com os negócios, segundo pesquisa da S&P, é o menor desde junho de 2020, quando estávamos do auge da pandemia.

É claro que tudo isso pode ser revertido, mas no momento a sinalização é péssima. Não há motivos para otimismo, sobretudo em relação a um governo que:

1) foi eleito por estreitíssima margem de votos, apesar do apoio irrestrito que recebeu do sistema;

2) está no começo de mandato, período que costuma ser de lua-de-mel, mas não consegue decolar;

3) claudica na relação com o Câmara dos Deputados, apesar de todas as concessões já feitas aos partidos da base;

4) adota uma política econômica equivocada na opinião de 98% dos empresários ouvidos em outra pesquisa, da Genial/Quaest; e

5) teima na narrativa de palanque da campanha eleitoral e na divisão da sociedade em “nós e eles”, que tanto mal já fez ao Brasil.

Vale lembrar que a projeção para a inflação de 2023 não para de subir, semana após semana, provocando a sensação de que a economia do país está caminhando rapidamente para o buraco.

Ainda assim, diante das trágicas alternativas à mão, parece que o mercado optou por dar um voto de confiança ao atual ministro da Fazenda. Mas este voto é temporário e pode ser retirado a qualquer momento.

A narrativa de que “o amor venceu” pode colar para o universitário lacrador, mas não para o empresário que gera empregos – e espera que o governo garanta um ambiente de estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica para continuar investindo. Sem responsabilidade fiscal não haverá retomada dos investimentos privados; sem retomada dos investimentos privados, o governo estará condenado a um rápido fracasso.

De nada adiantará criar regras muito bonitas para controlar os gastos e a dívida pública se os governantes que ordenam despesas não tiverem nada a temer, caso as metas não sejam cumpridas

Pois bem, o novo arcabouço fiscal precisa fazer sentido contabilmente, por óbvio, mas não apenas isso, nem é este o seu maior desafio, já que papel aceita qualquer coisa.

O novo arcabouço fiscal precisa, também e sobretudo, ter credibilidade junto aos agentes do mercado – o que passa pela previsão de sanções para o caso de descumprimento, como havia aliás na Lei da Responsabilidade Fiscal.

De nada adiantará criar regras muito bonitas para controlar os gastos e a dívida pública se os governantes que ordenam despesas não tiverem nada a temer, caso as metas não sejam cumpridas.

Isso do ponto de vista da eficácia econômica. Mas outra questão parece estar incomodando o governo, segundo reportagem de capa da Folha de S.Paulo de hoje, “Lula teme acusação de estelionato eleitoral em debate sobre nova regra fiscal”: o impacto político das medidas que serão hoje anunciadas – algumas das quais potencialmente impopulares.

É um impasse: para ser eficaz e evitar o descontrole de gastos, o novo arcabouço precisa ser rígido; mas, se o novo arcabouço for rígido e eficaz, o presidente teme (segundo a Folha) ser acusado de estelionato eleitoral – e repetir o enredo do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando ela tentou dar uma guinada econômica para tentar consertar o caos nas contas públicas e acabou perdendo popularidade e apoio político.

Fato é que austeridade nunca rimou com os governos do PT, que sempre precisaram gastar muito em políticas sociais para sustentar a narrativa do monopólio da preocupação com os pobres. O problema é que, quando a conta não fecha, os pobres são os primeiros a sofrer as consequências, na forma de inflação, desemprego e outras mazelas.

O temor de repetir o triste itinerário de Dilma em seu breve segundo mandato não seria descabido. A este respeito, reproduzo abaixo o que escrevi em meu livro Guerra de narrativas: A crise política e a luta pelo controle do imaginário, lançado em 2018, ao analisar o processo que resultou no impeachment da presidente:

Ora, um candidato que se elege contando mentiras e, no dia seguinte à vitória, faz o contrário do que prometeu, elevando tarifas e cortando ou diminuindo gastos com educação e saúde, cometeu, sim, estelionato eleitoral. E é evidente que seus eleitores se sentirão – ou deveriam se sentir – enganados.

Na semana seguinte à reeleição, Dilma acreditou que bastaria alegar que fez o possível para adiar os efeitos da crise econômica nas camadas mais pobres da população. Não convenceu ninguém. Quando ficou explicitado o estelionato eleitoral, veio a surpresa: a população brasileira demonstrou que sua paciência tinha acabado.

Com seu otimismo habitual, o campo lulopetista não percebeu que, naquela eleição, o voto em Dilma Rousseff foi condicional: mais do que em qualquer outra eleição recente, ela estava sendo eleita com a condição de cumprir as promessas de campanha. Afinal de contas, vencera atribuindo aos adversários a intenção perversa de tomar medidas impopulares – que ela própria começou a adotar antes mesmo de iniciado o segundo mandato.  

Os eleitores, em sua maioria, deram um crédito a Dilma porque preferiram acreditar na fantasia a aceitar a realidade apresentada pelos candidatos da oposição; uma vez comprovada a falsidade de suas promessas, esse crédito seria sumariamente cancelado.

É importante enfatizar esse ponto, porque:

  • se Dilma Rousseff estivesse falando a verdade na campanha eleitoral;
  • se de fato o Brasil tivesse iniciado um novo ciclo de crescimento em 2015, como Dilma assegurava, garantia e prometia;
  • se os repetidos alertas da oposição e de especialistas a respeito da maquiagem dos números e da erosão dos fundamentos da economia fossem falsos, alarmistas e pessimistas, como ela asseverava…

Dilma não teria caído.

Simples assim. Faltariam as condições políticas para o impeachment, ainda que as condições jurídicas estivessem dadas. Foi a crise econômica que a própria Dilma ajudou a provocar que selou o seu destino. (…) Sem carisma, sem vocação para a política, sem um ministro da Fazenda competente e responsável e sem um contexto internacional favorável, ela viu armar-se à sua volta uma tempestade perfeita.

Etc.

Resta saber se o apoio de metade do eleitorado e o apoio do sistema que garantiram a eleição do atual presidente também foram condicionais – e o que acontecerá quando parte daquele eleitorado e do sistema concluírem que as condições para esse apoio não foram atendidas.


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