Editorial
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Gazeta do Povo

Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva faz pronunciamento em Brasília


Lula e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, em foto de dezembro de 2022.| Foto: José Cruz / Agência Brasil

“Os livros de economia estão superados”, pontificou Lula na segunda-feira, dia 20, durante o relançamento do Mais Médicos. Difícil saber se o presidente da República chegou um dia a ler alguma das obras que ele agora diz estarem “superadas” e, caso tenha lido, se chegou a entender o que lera – não há como considerar, evidentemente, os livros de economia de viés socialista, que bem poderiam ser colocados nas prateleiras de “ficção” das livrarias. De qualquer forma, enquanto Lula dizia essas palavras, tanto os bons livros de economia quanto o puro e simples bom senso mostravam-se mais uma vez certeiros a respeito das consequências trágicas do intervencionismo voluntarista na economia.

Em uma decisão motivada mais pelo populismo que por algum sólido embasamento técnico, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), formado por integrantes do governo e representantes de aposentados, empresas e trabalhadores, resolveu que os juros cobrados no empréstimo consignado aos beneficiários do INSS eram altos demais e os reduziu na marra, de 2,14% para 1,70% ao mês, em sua reunião de 13 de março. Se com a taxa anterior muitos bancos, especialmente os menores, já tinham uma margem de lucro praticamente zerada nesse tipo de operação, com a nova taxa definida pelo CNPS eles praticamente passariam a pagar para emprestar dinheiro aos aposentados. Como resultado, ao menos 11 bancos resolveram suspender a concessão de novos empréstimos – incluindo os pesos-pesados estatais Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

Ao romper o silêncio sobre o tema na terça-feira, Lula não deixou dúvidas: disse que o CNPS apenas fez a coisa certa do jeito errado

“Buscamos encontrar um caminho que seja o melhor para a parte mais frágil: o povo brasileiro”, comemorou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, ao comentar a redução dos juros. Na prática, entretanto, o que o CNPS conseguiu foi justamente o oposto, reduzindo drasticamente o acesso dos aposentados ao crédito, já que o consignado é, para boa parte deles, a única opção segura disponível. É o caso de 42% dos 14,5 milhões de beneficiários do INSS que já fizeram empréstimos consignados e estão com o nome sujo na praça; esses 6 milhões de brasileiros já não podem recorrer normalmente ao sistema bancário e agora ficam à mercê de agiotas ou de linhas especiais para negativados, com juros muito mais altos.

Aliados do governo, que certamente também não leram ou não entenderam os livros de economia “superados”, e por isso não entendem como é possível que um banco não esteja disposto a assumir prejuízos certos de livre e espontânea vontade, chamaram de “chantagem” e “extorsão” a decisão dos bancos, e pediram a cabeça dos responsáveis na Caixa e no BB. O ministro Carlos Lupi bateu o pé e, na sexta-feira, dia 17, publicou nota pedindo que o governo “não ceda aos interesses dos bancos e do mercado financeiro”. O governo, no entanto, está tentando costurar uma solução intermediária: uma primeira reunião nesta segunda-feira (dia 20), da qual participaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a presidente da Caixa, Rita Serrano, acabou sem decisão, e um segundo encontro deve ocorrer na próxima sexta-feira. O mais provável é que um novo teto seja estabelecido para os juros do consignado, inferior a 2,14%, mas superior a 1,70%.

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E Lula, o que achou? De início, alguém até poderia incluir a redução voluntarista dos juros do consignado na lista de “genialidades” que o presidente criticou em reunião ministerial ocorrida um dia depois da reunião do CNPS, ao pedir que todo novo projeto passasse pelo crivo da Fazenda, do Planejamento, da Casa Civil e do Planalto antes de ser anunciado. Por outro lado, dadas todas as críticas de Lula ao Banco Central e à atual taxa Selic, impossível não imaginar que ele não visse com bons olhos uma canetada redutora de juros. Pois, ao romper o silêncio sobre o tema nesta terça-feira, Lula não deixou dúvidas: aprovou o conteúdo, criticando apenas a forma. Falando ao site de esquerda Brasil 247, o presidente classificou a medida como “uma coisa que poderia ser 100% boa, favorável”, mas que “era preciso ter feito um acerto para anunciar uma medida que envolvesse a Fazenda, o Planejamento, os bancos públicos e os bancos privados. Não, o Lupi anunciou”. Em outras palavras, o CNPS apenas fez a coisa certa do jeito errado.

Os próximos dias trarão o resultado deste embate entre o voluntarismo intervencionista e a economia real – e este resultado dirá muito sobre a forma como Lula e sua equipe pretendem conduzir a economia ao longo dos próximos quatro anos. Para o bem do país e, especialmente, dos aposentados, o melhor é que o Planalto agarre a chance que a “genialidade” de Lupi concedeu e admita que tem algo a aprender com os bons livros de economia, aqueles que alertam para o risco de canetadas sem fundamento.


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