Editorial
Por
Gazeta do Povo


Segundo as investigações da PF, o senador Sérgio Moro era um dos alvos do grupo que pretendia crimes de homicídio e extorsão contra autoridades.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

A revelação de um plano da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para sequestrar e matar autoridades, incluindo o ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o promotor paulista Lincoln Gakyia, precisa ser tratada com toda a importância. O plano, que seria a retaliação por uma decisão que frustrou os planos de resgate do chefão do PCC, Marcos Camacho (o “Marcola”), é a comprovação definitiva de que, ao contrário do que pensam os responsáveis pelo novo Pronasci, preocupados apenas com pautas identitárias, o crime organizado é, sem sombra de dúvida, o principal problema da segurança pública no país e exige ação enérgica e cooperação incansável entre todas as esferas de poder.

Não é à toa que o PCC tenha escolhido Moro como alvo. Quando ministro da Justiça, o ex-juiz e hoje senador elegeu como prioridade o combate ao crime organizado. Marcola foi apenas um dos líderes de facções criminosas que, por determinação do então ministro, foram isolados em presídios federais, após terem passado anos em cadeias de onde seguiram comandando seus grupos sem serem importunados. Interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal mostraram que a medida havia contrariado profundamente as cúpulas das facções e tinha sido efetiva ao silenciar os principais chefes das organizações criminosas.

Lula se julga um Conde de Monte Cristo do século 21: um inocente vítima de uma conspiração para retirá-lo de um caminho de sucesso. Mas o conjunto probatório levantado pela Lava Jato conta uma outra história

Além disso, Moro ainda endureceu as regras para visitas a líderes do crime organizado que não colaborassem com as investigações, e incluiu vários dispositivos que afetavam facções como o PCC no pacote anticrime. Durante sua passagem pelo Ministério da Justiça, Moro também aprofundou a cooperação entre a Polícia Federal e os órgãos de investigação estaduais, com um trabalho de inteligência que não apenas resultou na desarticulação de planos como os de resgatar Marcola, mas também impôs pesadas perdas financeiras ao crime organizando, afetando seu financiamento. Como afirmou um dos criminosos grampeados pela PF, “esse Moro aí (…) veio pra atrasar”.

A descoberta do plano do PCC também é a peça que faltava para igualar as facções criminosas a grupos terroristas. Não há outra palavra para descrever os dias de pânico impostos pelo crime organizado a populações inteiras como a do Rio Grande do Norte ou, em outros tempos, de São Paulo. Faltava apenas o assassinato de autoridades, que também faz parte do modus operandi do terrorismo, como bem demonstram as Brigadas Vermelhas italianas, que sequestraram e mataram o ex-primeiro-ministro Aldo Moro em 1978. Infelizmente, o enquadramento dos líderes de facções como terroristas ainda está distante, pois a Lei Antiterrorismo exige “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião” para que os crimes descritos na lei sejam assim caracterizados – uma mudança legal para contemplar as ações do crime organizado seria muito bem-vinda. Enquanto isso não ocorre, que se use todo o rigor da lei e toda a inteligência possível para seguir desbaratando os planos das facções antes que se tornem realidade.

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Não é apenas o PCC, no entanto, que colocou o ex-juiz, ex-ministro e senador na mira por ter feito um bom trabalho. Em uma coincidência macabra, no dia anterior à deflagração da Operação Sequaz o presidente Lula citou o ex-juiz em entrevista ao portal de esquerda Brasil 247. Usando um termo chulo que renderia imediatamente condenação na imprensa, pedidos de impeachment e uma representação de Randolfe Rodrigues no STF se tivesse saído da boca de um certo ex-presidente, Lula recordou o tempo passado na carceragem da PF em Curitiba. “De vez em quando ia um procurador, entrava lá de sábado, dia de semana, para perguntar se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam: ‘está tudo bem?’ ‘[Eu respondia que] não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu f… esse Moro”, afirmou.

Lula se julga um Conde de Monte Cristo do século 21: um inocente vítima de uma conspiração para retirá-lo de um caminho de sucesso. Mas, ao contrário do que ocorrera ao protagonista da trama de Alexandre Dumas, o conjunto probatório levantado pela força-tarefa da Lava Jato e no qual Moro se baseou para condenar Lula em 2018 está fartamente documentado, disponível a qualquer um que deseje se inteirar da verdade histórica envolvendo a pilhagem das estatais ocorrida durante a primeira passagem do PT pelo poder. Sim, as condenações foram todas anuladas pelo Supremo, as provas já não poderão ser usadas em tribunal nenhum, mas isso não apaga os fatos que a Lava Jato apurou.

Moro na mira do PCC
Criminosos do PCC rondaram casa de Moro por uma semana, mostra rastreamento da PF

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília


Senador Sergio Moro e deputada Rosângela Moro estavam entre os alvos do PCC| Foto: EFE/André Borges

As investigações da Operação Sequaz, que desarticulou um plano para matar ou sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), mostraram que criminosos do PCC rondaram a casa dele em Curitiba por ao menos uma semana, no fim do ano passado.

A Polícia Federal rastreou os sinais do celular de um dos homens envolvidos no crime, chamado Claudinei Gomes Carias, também conhecido por Nei, perto da casa do ex-juiz, entre os dias 24 de novembro e 1º de dezembro. Segundo a PF, o monitoramento de Moro pelo PCC começou bem antes, em setembro, durante a campanha eleitoral.

O rastreamento do celular dele foi feito por meio de registros de antenas receptoras de sinal. Foi provado que o celular do suspeito esteve muito próximo de locais frequentados por Moro e sua família por um período continuado de tempo. Ele provavelmente vigiava o senador e seus familiares.

Perto da residência de Moro, há um clube onde o senador votou nas eleições de outubro, que também foi visitado pelos criminosos em setembro. A poucos quilômetros, está localizado o escritório de advocacia da deputada federal Rosângela Moro (União Brasil – SP), mulher dele, local por onde os integrantes do grupo também passaram.

Sinais de celular de um dos integrantes do PCC que rondou casa de Sergio Moro, conforme o rastreamento da PF


Esses detalhes estão no pedido da PF para prender 11 integrantes do PCC envolvidos no plano. Claudinei, segundo os investigadores, seria diretamente ligado ao principal encarregado de executar o atentado contra Moro, Janeferson Aparecido Mariano Gomes, também conhecido como Nefo. Ele é descrito como chefe da “Restrita o5”, grupo dentro do PCC responsável por matar autoridades e ex-membros da facção.

A investigação começou em fevereiro, com o depoimento de um ex-membro do PCC que estava jurado de morte. Ele procurou o Ministério Público de São Paulo, que há tempos investiga a organização e contou que havia um plano de atentado contra Moro. Denunciou depois quatro linhas de celular de pessoas que seriam ligadas a Nefo.

Foi a partir desses celulares que a PF desvendou detalhes e envolvidos no plano para matar ou sequestrar Moro e sua família. Os aparelhos foram devassados mediante autorização judicial e neles foram encontradas mensagens, áudios, fotos, anotações que revelaram como poderia ser realizado o atentado.

Um dos celulares era utilizado por Aline Ardnt Ferri, descrita como uma das companheiras de Nefo, e que era responsável por compilar informações da família de Moro. Dentro do aparelho dela havia foto de uma folha de caderno com anotações, dados pessoais de Moro, endereços, nome do casal de filhos, seus telefones e e-mail, além de detalhes de sua declaração de bens.

No celular de outra companheira de Nefo, Aline Paixão, a PF identificou mensagens em que ele usa códigos como “Tokio”, para se referir a Moro; “Flamengo”, para se referir a sequestro; “Fluminense”, para se referir a “ação”, indicação possível de assassinato, segundo os investigadores; e “México”, que designaria “MS”, o estado do Mato Grosso do Sul. Em outro arquivo do celular de Aline, havia anotações que indicariam, segundo a PF, gastos para o eventual sequestro de Moro. Haveria despesas com fuzil, aluguéis, viagens, carros e motorista.

Em outro celular investigado, possivelmente do próprio Nefo, foi encontrada foto de uma folha de papel com manuscritos de registros de despesas com “apartamento, viagem, alimentação, combustível, aluguel de chácara, móveis para casa, veículos (Hilux), pedreiro para cofre (esconderijo para armas), ajudas irmão, tempo aproximado e telefone para o trabalho”. No topo da página, o nome da cidade de Curitiba.

Numa mensagem, há o relato detalhado de um reconhecimento de local em Curitiba, um colégio eleitoral, que seria usado para votação na eleição de 2022, com descrição dos acessos, câmeras existentes no local, segurança e rota de acesso – era a seção eleitoral onde Moro votou no ano passado.

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Celular investigado tinha conta com e-mail “lulalivre”
A PF conseguiu devassar os celulares a partir de contas de e-mail registrados em suas respectivas linhas telefônicas. Um dos e-mails tinha endereço “lulalivre1063@icloud.com”. “Lula Livre” era também nome e sobrenome registrados no aparelho da linha. A PF, no entanto, não destacou nada de relevante para a investigação nessa conta.

Na decisão, a juíza federal Gabriela Hardt, que supervisiona a investigação, inicialmente afirmou que “as contas de e-mail vinculadas aos IMEIs dos aparelhos possui [sic] nomes variados, corroborando a citada prática de utilização de cadastro em nome de terceiros para se esquivar de investigações policiais que levem a qualificação dos criminosos”. Em outras palavras, diz que não necessariamente alguns dos e-mails eram de usuários ligados a Nefo. Porém, a conexão do codinome com um membro do PCC não é descartada.

Operação Sequaz
A Operação Sequaz, que prendeu 9 pessoas nesta quarta (22) envolvidas no plano contra Moro, foi executada por 120 policiais em Rondônia, Paraná, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Outro alvo dos criminosos era o promotor Lincoln Gakiya, que investiga o PCC há muitos anos. A ideia inicial era resgatar o líder máximo do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola.

Em 2018, Gakiya pediu a retirada de Marcola de um presídio estadual de São Paulo. Em 2019, como ministro da Justiça, Moro preparou a logística para transferi-lo para a penitenciária federal de Brasília. Meses depois, ele foi enviado para o presídio federal de Rondônia e, no início deste ano, voltou para a prisão de segurança máxima de Brasília.


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