Editorial
Por
Gazeta do Povo
Sem consenso entre alas técnica e política, Haddad terá de conversar com Congresso e economistas para fechar novo arcabouço fiscal.| Foto: Andre Borges/EFE
Nesta terça-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central divulgou a ata de sua reunião da semana passada, em que aprofunda os argumentos apresentados no comunicado em que anunciava a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano, para desgosto de todos os terraplanistas econômicos que ainda acreditam, contra toda a evidência, ser possível gastar como se não houvesse amanhã sem gerar inflação e juros. Quando passa da descrição do cenário atual para a prescrição – ou seja, aponta o que precisa ser feito para que o país possa finalmente retornar a taxas mais baixas –, a palavra de ordem do Copom é “ancorar as expectativas”.
Afinal, se há algo que o governo Lula conseguiu fazer nesses últimos cinco meses – incluindo o período como governo eleito, após as eleições e antes da posse –, foi estraçalhar qualquer expectativa de uma política fiscal responsável. A âncora fiscal que vigorava desde 2016, o teto de gastos, recebeu seu golpe fatal na PEC fura-teto; praticamente todas as declarações de Lula e da equipe econômica por ele escolhida tratam da necessidade de se gastar mais – e minimizar essa realidade chamando gasto de “investimento” não resolve nada, pois os recursos do contribuinte são consumidos da mesma forma, independentemente do nome que se dê a isso; o primeiro pacote apresentado por Fernando Haddad para reduzir o déficit público apostava pesadamente em aumento de arrecadação, e não em corte de despesas; mesmo medidas que podem ser entendidas como fiscalmente responsáveis demonstram que planejamento é item em falta neste governo.
Um arcabouço fiscal frouxo ou mal elaborado em nada ajudará a recuperar a confiança do investidor. E mesmo uma regra boa não dará muito fruto se o mercado perceber que ela pode ser facilmente contornada
Em um cenário como este, é totalmente natural que os agentes do mercado financeiro e os investidores esperem tempos ainda mais bicudos à frente: as projeções de inflação sobem (o que alimenta a espiral inflacionária, explica o Copom na ata), as estimativas de crescimento caem, os investidores colocam o pé no freio, e o Brasil é obrigado a oferecer juros mais altos para quem se dispõe a emprestar seu dinheiro ao Tesouro. Daí a importância de “ancorar as expectativas”, ou seja, de demonstrar que a política fiscal do governo será capaz de restaurar a credibilidade do país, para que este processo não contamine de vez o médio e longo prazos (o que já começa a ocorrer, segundo o Copom). Uma chave para atingir esse objetivo está na regra fiscal ainda desconhecida que o governo promete apresentar em breve.
“O Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo governo e votado no Congresso”, diz a ata, deixando claro, no entanto, que a mera exposição do conteúdo da nova âncora fiscal não basta para a ancoragem das expectativas. “Não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal”, afirmam os membros do Copom; “no entanto, o Comitê destaca que a materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas”.
VEJA TAMBÉM:
Copom responde com firmeza à histeria da esquerda (editorial de 24 de março de 2023)
O misterioso arcabouço fiscal (editorial de 20 de março de 2023)
Reoneração sem planejamento (editorial de 28 de fevereiro de 2023)
Pacote contra déficit está muito longe do ajuste necessário (editorial de 14 de janeiro de 2023)
Sólido e crível, eis os termos-chave. Uma regra frouxa ou mal elaborada em nada ajudará a recuperar a confiança do investidor. E mesmo uma regra boa não dará muito fruto se o mercado perceber que ela pode ser facilmente contornada, como ocorreu com o teto de gastos. A âncora de 2016 era sensata e tinha inclusive o mérito de não permitir uma explosão de despesas em tempos de bonança, garantindo que receitas maiores, seja por aumento ordinário de arrecadação, seja por entradas extraordinárias como concessões e privatizações, fossem destinadas ao abatimento da dívida pública, e não à contratação de novas despesas que muitas vezes se tornariam permanentes e pressionariam o orçamento em tempos de vagas magras. Mas não demorou muito para que governo e Congresso inventassem todos os meios possíveis e imagináveis de burlar o teto. Essa desmoralização cobrou seu preço em indicadores como o câmbio e a curva de juros futuros.
Por mais que Lula e seus aliados continuem esperneando contra o Banco Central, está claro que a bola está com o governo: boa parte da atual incerteza deriva do fato de que não se sabe que âncora fiscal o país terá nos próximos anos, e isso é algo que só o Executivo pode resolver, apresentando logo um arcabouço fiscal “sólido e crível”. E, se o projeto não tiver essas características, que o Congresso tenha a inteligência de fazer os ajustes necessários para que os recursos tomados do contribuinte por meio dos impostos sejam usados com mais racionalidade e eficiência, restaurando a confiança que se manifesta em mais investimento, emprego e renda para os brasileiros.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/ata-copom-arcabouco-fiscal/
Copyright © 2023, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.