Congresso
Governo ignora “herança bendita” de projetos que podem melhorar ambiente de negócios

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo


O Palácio do Planalto e, ao fundo, o Congresso Nacional: governo Lula ignora projetos da gestão Bolsonaro que podem melhorar ambiente de negócios.| Foto: Pedro França/Agência Senado

Projetos que estão parados no Congresso, longe dos holofotes e ignorados pelo novo governo, têm o potencial de contribuir para melhorar o ambiente de negócios, ampliar a produtividade e facilitar a vida de empresas e empreendedores.

São, em sua grande maioria, medidas apresentadas na segunda metade do governo de Jair Bolsonaro (PL) e que têm em comum os benefícios que podem proporcionar, como segurança jurídica, redução da burocracia, combate a distorções da economia brasileira e aumento da eficiência na alocação de recursos.

Há pelo menos seis projetos com essas características, dos quais quatro já foram aprovados pelo plenário da Câmara, e ainda dependem de análise do Senado. Outra proposta já recebeu o aval dos senadores, e precisa passar pelo crivo dos deputados.

O maior obstáculo a essa pauta está justamente na falta de interesse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que prefere outras abordagens para estimular o crescimento econômico – entre elas, a atuação direta do Estado na economia.

Entre os projetos estão:

PL 414/21: Modernização do setor elétrico (aprovado no Senado)
PL 4188/21: Novo Marco de Garantias (aprovado na Câmara)
PL 1583/22: Autoriza a União a ceder direito à parcela do excedente em óleo do pré-sal (parado na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara)
PL 591/21: Privatização dos Correios (aprovado na Câmara)
PL 3729/04: Simplificação do licenciamento ambiental (aprovado na Câmara)
PL 6726/16: Combate a supersalários (aprovado na Câmara)


Segundo o coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Vladimir Fernandes Maciel, são temas cruciais para garantir o aumento da oferta de bens e serviços, o que ajuda no combate à inflação, e o crescimento do PIB per capita, que está praticamente estagnado há 40 anos.

“Eles têm alguns pontos em comum, como o aumento da segurança jurídica e da previsibilidade e redução das incertezas e burocracia para que o setor privado consiga aportar recursos e investir, principalmente no setor de infraestrutura”, diz Maciel, que também é professor do mestrado em Economia e Mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“Basicamente, eles tornam o ambiente de negócios favorável ao investimento por parte do setor privado, garantindo que ‘surpresas’ não venham a ocorrer ao longo do processo e do contrato”, acrescenta.

As medidas fazem parte da agenda microeconômica, que, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é tão relevante quanto a macroeconômica, porque dizem respeito à eficiência da economia. “As distorções existentes acabam afetando a formação de um ambiente favorável para as empresas”, diz o pesquisador Fernando Veloso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

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Uma das propostas, aprovada na Câmara, e que por ora não tem chance de ir adiante, é a privatização dos Correios. O novo governo, que defende participação ativa do Estado na economia, retirou a empresa do Programa Nacional de Desestatização.

O monopólio dos Correios é uma questão que nos próximos meses pode ir a julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação protocolada há quase 20 anos e que questiona o comportamento da estatal foi retirada da pauta de julgamento do dia 1.° de março e aguarda remarcação.

“No Brasil, os Correios têm um monopólio sobre muitos serviços postais, o que limita a entrada de outras empresas no mercado e impede a concorrência. Isto pode dificultar a inovação e a criação de novos modelos de negócios”, diz Diogo Costa, CEO do Instituto Millenium, organização que defende valores liberais como a economia de mercado.

Marco Legal das Garantias pode reduzir juros

Enquanto o governo faz pressão por queda nos juros e adota medidas desastradas como a canetada para reduzir a taxa do consignado do INSS, aguarda votação no Senado uma proposta que tem o potencial de reduzir estruturalmente o custo do crédito no país, e com isso ampliar significativamente a concessão de empréstimos e financiamentos: o Novo Marco Legal das Garantias.

Segundo cálculos feitos pelo Ministério da Economia no governo Bolsonaro, a possibilidade de usar uma garantia imobiliária, que seria facilitada com o novo marco, pode reduzir em até 37% o valor da parcela mensal de um empréstimo.

Veloso, do Ibre, aponta que um dos efeitos potenciais dessa medida é reduzir os spreads do mercado financeiro – isto é, a diferença entre o custo de captação dos bancos e o juro que cobram dos clientes.

“É uma medida que dá mais competitividade às micro e pequenas empresas, que, na maioria das vezes, não têm como oferecer boas garantias”, diz Veloso.

Segundo o Banco Central, a diferença média para as operações de crédito com recursos livres estava em 30,61 pontos percentuais, em média, em janeiro, a maior desde agosto de 2019. Para as empresas, o spread médio era de 12,63 pontos percentuais, enquanto que, para as pessoas físicas, de 43,54 pontos percentuais.

A medida se somaria a outros avanços no sistema financeiro, que iniciaram entre 2016 e 2017, no governo Temer, com a implantação da Taxa de Longo Prazo (TLP) no BNDES – que eliminou subsídios e baixou a taxa de juros neutra da economia –, a criação do cadastro positivo e a implantação do “open finance”.

Modernização do setor elétrico daria mais liberdade ao consumidor
O projeto de modernização do setor elétrico, que prevê liberdade para os consumidores de energia escolherem seu fornecedor, já passou pelo Senado e tem de ser analisado pela Câmara. Para Veloso, ele assegura maior competição na área. “O preço da energia elétrica no Brasil é muito regulado”, diz Veloso.

A medida também pode ajudar a baratear o preço do insumo, que é um dos mais caros do mundo. A indústria desponta como um dos setores mais beneficiados pela proposta.

Combate a supersalários no funcionalismo
Uma das propostas mais consolidadas é a que regula os salários do funcionalismo público. O projeto foi apresentado ainda em 2016, no Senado. Foi aprovado no mesmo ano e em 2021 recebeu o aval da Câmara, com modificações. Desde então aguarda a análise final dos senadores.

O projeto normatiza as regras para o pagamento de adicionais aos salários de servidores públicos, de modo a garantir a aplicação do teto remuneratório, que hoje equivale ao vencimento de um ministro do STF, atualmente em R$ 41.650,92.

O objetivo é o de definir, entre os chamados “penduricalhos”, as parcelas que são de natureza remuneratória e que, por isso, devem ser somadas ao salário-base para a incidência do teto.

Licenciamento ambiental
Outra medida que já passou pela Câmara e aguarda votação no Senado é o PL do Licenciamento Ambiental, que data de 2004. O texto elimina a necessidade de licenciamento para obras de saneamento básico, manutenção de estradas e portos, redes de distribuição de energia, atividades militares e obras emergenciais de infraestrutura. Também permite que as autoridades possam abrir mão do licenciamento em obras de porte insignificante.

Veloso, do Ibre, diz que o Brasil tem vantagens competitivas na área ambiental. “É preciso que as análises sejam feitas com equilíbrio, não se tornem burocráticas e não seja demorada a concessão das licenças”, diz.

Venda da parte do governo nos campos de partilha do pré-sal
O governo Bolsonaro enviou ao Congresso, em junho do ano passado, o PL 1583, que permite à União vender antecipadamente o petróleo e o gás natural que lhe cabem nos contratos de partilha de produção. Na prática, isso corresponderia à privatização da PPSA, estatal encarregada da comercialização da fatia da União no pré-sal.

Pela proposta, que se encontra na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE), e teve a última movimentação em 2 de agosto de 2022, quando se encerrou o prazo de cinco sessões para apresentação de emendas ao projeto, a cessão dos direitos da União seria feita por licitação, desde que houvesse anuência do consórcio operador de cada contrato.

Como se trata de petróleo e gás que ainda serão produzidos, é possível que haja um deságio (desconto) em relação aos preços atuais dessas commodities.

Ainda assim, a receita potencial para a União chega a R$ 390 bilhões, segundo cálculos feitos no governo passado. Além de ser um reforço e tanto para as receitas federais num momento em que o novo arcabouço fiscal depende justamente delas, a antecipação reduz, para as contas públicas, o risco relacionado à variação futura dos preços do petróleo.

Espaço político para a aprovação é restrito
O professor do Mackenzie aponta que para destravar esses projetos no Legislativo é necessário que o Executivo, por meio da bancada governista, coloque energia e prioridade na aprovação. Contudo, ele não vê um cenário favorável para isso.

“Não é uma agenda do atual governo. A agenda atual, que ainda não está claramente anunciada, mas que vem se firmando aos poucos, tem viés macroeconômico e estatizante e não microeconômico e pró-ambiente de negócios e setor privado”, diz ele.

Para Maciel, o caminho ideal é o fortalecimento dos marcos legais. Isto passa pelo Poder Executivo. “Ele deve se empenhar para colocá-los em prática e exercê-los”, diz.

Outro desafio, na avaliação dele, é garantir segurança jurídica – o que passa principalmente pelo Poder Judiciário. “É preciso respeito e cumprimento dos contratos firmados, independência política do Judiciário, práticas jurídicas modernas, redução da judicialização e alteração do modus operandi do Judiciário. Ele não pode legislar, não é o papel do Judiciário, mas do Legislativo.”

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