Comércio exterior
Por
Raquel Hoshino, especial para a Gazeta do Povo
Cédulas de yuan, a moeda chinesa: Lula tentará implementar acordo que não conseguiu no seu segundo mandato| Foto: Pixabay
Mesmo sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se recuperava de uma pneumonia e apenas nesta terça-feira (11) viajou ao país asiático, a comitiva brasileira na China teceu no final de março um acordo que permitirá que as transações bilaterais entre os dois países ocorram diretamente em reais e na moeda chinesa, o yuan, sem precisar passar pelo dólar.
Anunciado em 29 de março, durante o Seminário Econômico Brasil-China, em Pequim, o acordo ainda carece de detalhes (que devem ser oficializados na viagem de Lula ao país asiático), mas promete facilitar os negócios entre os dois países.
Segundo Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “esse tipo de mecanismo só é minimamente eficiente quando você tem um fluxo de comércio bilateral, indo e vindo, robusto”, na casa dos bilhões de dólares, e ao longo de muitos anos.
Já o professor de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Carlo Cauti lembrou que um acordo como este “já foi tentado no passado e não deu certo”. Ele recordou que, em 2009, o próprio Lula, em seu segundo mandato, tentou um acordo parecido.
“Estamos em 2023 e as transações continuam sendo em dólar”, destacou o especialista. Para ele, o que ocorreu no passado pode ser uma prévia do que vai acontecer com este novo acordo. Como o Brasil é o único “grande país que tem superávit comercial” em relação à China, teria de convencer os exportadores a aceitar a moeda chinesa como pagamento.
Como ela “não é uma moeda conversível” e não haveria a certeza da manutenção da estabilidade do câmbio do yuan, “já que ele é manipulado há décadas, desde sempre, pelo governo chinês”, “é muito difícil convencer essas empresas a aceitarem o pagamento em yuan”.
Para o professor, as empresas exportadoras brasileiras “vão querer dólares, até porque elas vão ter que comprar os insumos internacionais, que são fundamentais para suas produções, do fertilizante até a vacina para o boi, até os instrumentos da Petrobras para produzir petróleo, e eles são cotados em dólares”. Como isso também possui um custo de câmbio, o professor acredita que “é muito difícil que esse acordo seja implementado”.
Vantagens do acordo
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e uma das principais origens de investimento no país. Segundo números da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), em 2022, o volume de transações foi recorde, atingindo US$ 150 bilhões, sendo US$ 89,7 bilhões em exportações brasileiras e US$ 60,7 bilhões em importações.
Nos negócios com a China, o Brasil tem, portanto, superávit de US$ 29 bilhões, vendendo especialmente commodities para o país asiático. Em 2021, a China foi o oitavo maior investidor mundial no Brasil e o primeiro da Ásia, à frente do Japão, da Coreia do Sul e da Índia.
A vantagem mais clara para o Brasil, no momento, se refere ao câmbio. Quanto mais trocas de moeda há numa transação, maiores são o pagamento de taxas e as perdas no câmbio.
“Se você consegue vincular os seus pagamentos a uma outra moeda, você evita ficar fazendo essas conversões. Você perde menos dinheiro nesses vários atritos”, afirmou o pesquisador Leonardo Paz. “No caso do Brasil se aproximar paulatinamente da China, ao fazer esse tipo de acordo, ele cria uma boa vontade institucional para que você possa ir aprofundando em outras áreas, eventualmente, esse processo.”
A seu ver, ainda haveria uma possibilidade de “criar uma série de políticas de apoio à exportação e à importação” porque “uma das políticas públicas de apoio à exportação é você criar bandas, ou você criar mecanismos de taxas de câmbio diferenciadas”, dando a possibilidade, por exemplo, do governo brasileiro favorecer um setor que ele queira alavancar, oferecendo a ele câmbio mais barato para importar peças mais em conta.
Para Cauti, a China ganha em influência no mundo com este tipo de acordo. “Se o Brasil começar a ter reservas internacionais não mais em dólares, mais em yuan, é óbvio que tudo o que acontecer na China e com a China vai ter uma influência direta no Brasil”, alertou, citando a possibilidade de uma “dependência direta da China”, “muito mais do que hoje”.
Motivos do acordo
Para ambos os especialistas, dois fatores teriam motivado a China a fazer acordos como o que está realizando com o Brasil também com outros países: a possibilidade de uma invasão a Taiwan (segundo previsões, num horizonte de cinco a 15 anos) e diminuir sua dependência de dólares.
No caso de um conflito com Taiwan, depender menos de moeda americana significaria para a China não ficar tão vulnerável a sanções internacionais, como as que a Rússia está vivenciando desde que invadiu a Ucrânia. “Ela vai se blindando tanto economicamente quanto politicamente, uma dependência de uma moeda que hoje, supostamente, é a moeda do país que é o principal rival estratégico dela”, afirmou Leonardo Paz.
Outro fator que pode ter motivado a China a buscar esses acordos foi que a nação teve seu comércio muito impactado pela crise internacional de 2008, tendo dificuldade de acesso ao dólar no mercado internacional, via suas empresas, para poder fazer transações. Ao não precisar tanto da moeda americana (o que tem sido uma tendência global, segundo Paz), o país asiático “vai ganhando blindagem da escassez internacional em determinados setores que considera estratégicos para o país”.
Já os Estados Unidos seriam prejudicados, segundo Carlo Cauti. “Os americanos perderiam um pouco mais de poder, em termos de influência, porque não são eles que decidem aonde o dólar vai, aonde não vai. Eles simplesmente imprimem o dólar. Mas, com certeza, isso reduziria a influência dos Estados Unidos. Além disso, por exemplo, isso poderia evitar sanções internacionais contra empresas que negociam com países que estão sob sanções americanas”. Haveria também a redução da “influência americana e a capacidade dos americanos de ter o chamado ‘soft power’”, completou.
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