De acordo com ministro, deve ocorrer conferência em vídeo entre Kiev e rebeldes pró-Rússia para discussão de cessar-fogo

Putin envia chanceler ao Brasil em primeira viagem desde o início da guerra na Ucrânia

Foto: Evaristo Sa/AFP Photo

Por Felipe Frazão – Jornal Estadão

Serguei Lavrov vai visitar o País nesta segunda-feira, a mando do presidente russo, depois de Lula despachar o assessor especial Celso Amorim a Moscou

BRASÍLIA – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, despachou para Brasília o chanceler Serguei Lavrov, que participará de reuniões no mais alto nível político, as primeiras desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado. O longevo chanceler russo, há 19 anos no cargo, desembarca no País nesta segunda-feira, 17. A visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia, homem de confiança de Putin, ocorre sob olhar desconfiado de alguns dos principais parceiros do Brasil no Ocidente, como os Estados Unidos e potências da União Europeia.

Os chanceleres Mauro Vieira e Sergei Lavrov acertaram a visita do russo a Brasília durante encontro na Índia, por ocasião do G20.
Os chanceleres Mauro Vieira e Sergei Lavrov acertaram a visita do russo a Brasília durante encontro na Índia, por ocasião do G20.  Foto: Russian Foreign Ministry Press Service via EFE

A vinda de Lavrov é a principal de um enviado de Putin desde o início da guerra. Em 2022, o governo Jair Bolsonaro chegou a suspender uma visita ao Brasil do primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, que estava prevista para abril, e uma reunião bilateral. A viagem, agora, será também a primeira de Lavrov ao País desde 2019, ano em que o próprio Putin esteve em Brasília, na cúpula dos BRICS.

Lavrov chegará horas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter voltado da viagem à Ásia. Os dois devem se encontrar no Palácio do Planalto. O programa prevê uma reunião com o ministro Mauro Vieira no Itamaraty e declaração à imprensa. A visita foi acertada durante encontro prévio de ambos à margem do G20, na Índia, em fevereiro. Além das discussões sobre a guerra, o Itamaraty diz que o encontro tem como objetivos tratar da “parceria estratégica brasileiro-russa” e de oportunidades de cooperação bilateral em diferentes áreas, além de fortalecer o diálogo político.

“A visita também será ocasião para tratar do conflito na Ucrânia. O Brasil tem defendido, nos foros internacionais e em contatos bilaterais, a cessação imediata de hostilidades e a importância de conjugar esforços diplomáticos que facilitem o alcance de solução pacífica negociada”, disse o Itamaraty, em nota sobre a chegada de Lavrov.

Retórica

Depois da visita de Estado à China, vista como um país aliado à Rússia no momento, Lula adotou retórica compreendida em Washington e Bruxelas como cada vez mais amena e favorável aos russos, além de alinhada a Pequim. A China é hoje o principal adversário dos EUA, numa disputa de influência geopolítica e econômica. A viagem de Lula foi seguida com atenção pelo governo Joe Biden, assim como ocorrerá com a visita de Lavrov a Brasília.

Durante o último giro internacional, que incluiu uma parada nos Emirados Árabes Unidos, Lula disse que a guerra na Ucrânia havia sido uma decisão tomada “por dois países”, quando resultou de uma invasão russa ao território ucraniano. A alegação principal do governo Putin era que Kiev planejava integrar a Otan, aliança militar ocidental, o que significaria uma ameaça concreta à Rússia.

As declarações de Lula têm colocado os dois países no mesmo patamar de responsabilidade, embora a guerra tenha se iniciado com uma agressão unilateral das Forças Armadas de Moscou. Por isso mesmo, esse argumento não encontra respaldo nas principais democracias ocidentais.

Antes da viagem, o presidente brasileiro já havia sugerido que a Ucrânia deveria abrir mão da Crimeia para pôr fim ao conflito. A Rússia, nesse sentido, desocuparia as áreas invadidas no ano passado. Kiev prontamente rejeitou qualquer acordo nesses termos e reafirmou a intenção de recuperar o terreno, perdido em 2014.

Lula sugeriu que as nações que enviam armas à Ucrânia deveriam parar – um recado direto a norte-americanos e europeus, que mandaram recursos bélicos para a defesa ucraniana. Por mais de uma vez, Lula citou a necessidade de sensibilizar os Estados Unidos para que mudassem seu papel na guerra. Disse que nem Putin, nem Volodmir Zelenski, presidente da Ucrânia, tomavam a “iniciativa de parar”.

“A Europa e os Estados Unidos terminam dando uma contribuição para a continuidade dessa guerra”, afirmou Lula em Abu Dhabi, reiterando a proposta de formar uma espécie de “Clube da Paz” entre países que não têm lado no conflito para intermediar um cessar fogo.

Lula já discutiu sua proposta com líderes dos EUA, Joe Biden; da França, Emmanuel Macron; da Alemanha, Olaf Scholz; e da China, Xi Jinping. Ele sempre disse que os chineses desempenhariam papel crucial nessa negociação e tentou sensibilizar Xi Jinping. Mas a ideia não ganhou tração. O presidente e seus assessores mais próximos admitem agora que a paz não está no horizonte.

“Somente quem não está defendendo a guerra pode criar uma comissão de países e discutir o fim dessa guerra”, declarou Lula, em Pequim. “É preciso ter paciência para conversar com o presidente da Rússia. É preciso ter paciência para conversar com o presidente da Ucrânia. Mas é preciso, sobretudo, convencer os países que estão fornecendo armas e incentivando a guerra a pararem.”

Lula destacou que os dois países estão com dificuldade de tomar decisões. “É preciso terceiros países, que mantenham boas relações com os dois, (para) criarem as condições de termos paz no mundo”, argumentou. Na avaliação do presidente, a China tem um papel fundamental nessas negociações. “Possivelmente seja o mais importante. Agora, outro país importante são os Estados Unidos. É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz para a gente convencer o Putin e o Zelenski que a paz interessa a todo mundo e a guerra, por enquanto, só está interessando aos dois.”

A declaração conjunta assinada com Pequim não cita o termo guerra e se refere ao conflito como uma “crise”. Tampouco faz referência à Rússia. Essa retórica, sobretudo a adotada por Lula, tem sido vista como uma posição ambígua, uma vez que o Brasil já votou contra a Rússia nas Nações Unidas, mas rejeita sanções unilaterais.

Ao mesmo tempo, Lula não conseguiu nenhuma declaração mais favorável da China à proposta brasileira de constituição de um grupo de países que possa mediar negociações de paz. Lula deixou o país sem a almejada adesão de Xi Jinping à sua proposta.

A China publicou antes uma proposta própria, um documento com 12 pontos-chave com a posição sobre a guerra. Não fala na necessidade de retirada das tropas russas do território ucraniano. Os dois países disseram receber positivamente a proposta um do outro e se comprometeram a continuar o diálogo sobre o assunto. E foi só.

Loading

By valeon