Reino Unido
Por
Mariana Ceccon, especial para Gazeta do Povo


Em média, 62% dos britânicos apoiam a manutenção da monarquia. Mas entre os mais novos. este número é de 36%| Foto: EFE/EPA/Cathal McNaughton

Se o contrário do amor é a indiferença, o novo monarca do Reino Unido tem um enorme obstáculo a superar no caminho até o coração de seus súditos, pelo menos dos mais novos. Uma pesquisa publicada na última quarta-feira (3) mostrou que 78% dos britânicos entre 18 e 24 anos declararam não ter interesse na família real, e apenas 36% da Geração Z respondeu ser favorável a manter o país como uma monarquia.

O levantamento, feito pela YouGov, uma organização global especializada em pesquisa de mercado e análise de dados digitais, foi divulgado em meio às preparações para a coroação de Charles III, agendada para este sábado (6), e contrasta fortemente com o sentimento de uma década atrás. Em 2013, 72% dos jovens de 18 a 24 anos queriam manter a instituição.

A imprensa britânica indica que esta ruptura geracional está conectada a dois fatores: escândalos reais e economia. Se em 2013 a realeza ainda colhia boas manchetes exaltando o Jubileu de Diamante da rainha Elizabeth II e o casamento do príncipe William com Kate Middleton, nos últimos anos, o rompimento da família com o príncipe Harry e sua esposa Meghan Markle ocupou o espaço da realeza nos jornais – intercalando apenas com a morte da rainha e as denúncias contra um de seus filhos, o príncipe Andrew, envolvendo abuso sexual de menores de idade.

Pesa ainda mais nesta balança a disparada nos aumentos de custos de vida dos britânicos, com uma inflação anual próxima dos 10%, ligada especialmente aos custos de energia elétrica e moradia, além de meses de greves de enfermeiros, médicos, professores, maquinistas e outros trabalhadores em busca de salários mais altos. Para quem está ingressando no mercado de trabalho nessas condições, a luxuosa cerimônia de coroação – que, especula-se, deverá custar em torno de 100 milhões de libras (R$ 630 milhões) – não soa bem.

“Ao contrário da Lady Gaga, nós não vivemos pelos aplausos”, protestam os trabalhadores do sistema de saúde público, no último dia 1. Inflação anual perto dos 10% e altos custos de vida estão entre as dificuldades enfrentadas pelos mais jovens| EFE/EPA/Tayfun Salci
“A monarquia dá o tom de uma sociedade desigual, justificando a ideia de que uma pessoa deve se curvar a outra e que a vida de algumas pessoas é mais importante do que de outras”, explicou Symon Hill, um dos integrantes do Republic, um grupo anti-monarquista responsável por lançar a campanha #NotMyKing (não é meu rei, em tradução livre). “Por isso, neste sábado, vou protestar na Trafalgar Square enquanto a procissão da coroação passar e terei um cartaz dizendo: ‘Charles Windsor é meu igual'”, ele escreveu em um artigo de opinião, justificando as escolhas do grupo.

O Republic encabeça os protestos marcados para este sábado, nos quais são esperados pelo menos 1,5 mil manifestantes, todos vestidos de amarelo e gritando pelo direito de escolher o chefe de Estado através do voto, uma substituição da tradição de mais de mil anos na Grã-Bretanha. “Ninguém nega que os republicanos são uma minoria no Reino Unido. Mas somos uma minoria substancial e não mínima, como os monarquistas gostam de nos retratar”, disse Hill.

Excluindo o recorte de faixa etária, seis em cada dez britânicos acham que o país deveria continuar a ser uma monarquia, número que pode chegar a quase oito em dez quando se considera pessoas com mais de 65 anos. Quando perguntados se o país deveria fazer um referendo para discutir este assunto, apenas 31% dos britânicos são favoráveis.

O apoio à coroa é de até 79% entre os maiores de 65 anos, apontou a YouGov| EFE/EPA/Martin Divisek
Ex-colônias
O sentimento da Geração Z os aproxima mais dos cidadãos que vivem nas ex-colônias britânicas do que de seus pais e avós. Como soberano, Charles também é chefe de Estado de outros 14 países, embora o papel seja em grande parte cerimonial, como “supervisionar” as forças armadas e dar “consentimento real” a projetos de lei. Entre esses países, estão Austrália, Canadá e Nova Zelândia, além de nações caribenhas como a Jamaica, mas nenhum ostenta números de aprovação da realeza altos.

Mesmo no Canadá, a nação considerada mais “amigável” à família Windsor, mais da metade da população (52%) não quer que seu país continue como uma monarquia constitucional e mais de 60% se opõem a jurar lealdade a Charles ou entoar “God Save The King”, segundo apontou uma pesquisa do instituto canadense Angus Reid publicada na semana passada.

O governo canadense de Justin Trudeau, no entanto, está organizando um evento simultâneo à coroação na capital, Ottawa, para celebrar o novo monarca. Para os especialistas em política do país, Charles fica porque não há disposição para abrir a Constituição e mexer no vespeiro real. “A maioria dos principais partidos políticos canadenses, incluindo os liberais de Trudeau, não está disposta a levar a questão adiante, muito porque isso significa ter que renegociar toda a nossa ordem constitucional”, explicou o professor de história da Universidade de Ottawa, Damien-Claude Belanger, em entrevista à Al Jazeera. “Cortar os laços envolveria obter a aprovação de todas as dez províncias canadenses, bem como de ambas as casas do Parlamento.”

Mas o comodismo com o sistema político para por aí. O primeiro-ministro da Nova Zelândia, Chris Hipkins, por exemplo, fez uma declaração esta semana admitindo que deseja que seu país abandone a coroa, embora tenha acrescentado que não é uma “prioridade urgente”.

O “soft power” da monarquia já não é mais tão atrativo para manter a família real nas ex-colônias, principalmente no Caribe.| EFE/EPA/Tayfun Salci
Inspirados pelo caso de Barbados, que se tornou uma república em 2021, os líderes políticos da Jamaica também já deixaram bem claro que estão desembarcando do sistema e agendaram um referendo para 2024. O primeiro-ministro jamaicano, Andrew Holness, inclusive não fará parte do grupo de cem chefes de Estado que participarão pessoalmente da coroação em Londres.

Belize, Bahamas, Granada, Antígua e Barbuda e São Cristóvão e Neves engrossam a lista de nações caribenhas tomando igualmente medidas para tornarem-se repúblicas. No Caribe, o movimento anti-monarquia é mais forte, uma vez que as figuras reais suscitam uma forte lembrança do período de escravidão e são frequentemente nomeadas como símbolos de “neocolonialismo”.

Em contraste, ser parte da Comunidade Britânica (mais conhecida por seu nome em inglês, Commonwealth) e usufruir do poder diplomático do rei também teve seu apelo reduzido. “Uma Grã-Bretanha pós-Brexit é muito menos valiosa no mundo de hoje”, argumentou a jornalista especializada e escritora jamaicana Barbara Blake-Hannah, em um artigo sobre o assunto publicado no jornal britânico The Guardian.

“Com a perda dos estreitos vínculos econômicos, políticos e migratórios que a Grã-Bretanha tinha como membro da União Europeia, a maioria dos líderes da Commonwealth agora espera uma grande reforma da organização, tornando-a mais um bloco político voltado para a negociação de contratos comerciais internacionais.”

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