Editorial
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Gazeta do Povo


Gabriel Galípolo, atual “número 2” do Ministério da Fazenda, foi indicado para o cargo de diretor de Política Monetária do Banco Central; nomeação ainda passa pelo Senado.| Foto: Washington Costa/Ministério da Fazenda

Lula vem travando uma batalha incessante contra o Banco Central; contra seu presidente, Roberto Campos Neto; e contra a taxa Selic, que o presidente da República considera alta demais. Mas esbarra em um obstáculo formidável: a autonomia da autoridade monetária, aprovada pelo Congresso Nacional e que PT e PSol até tentaram derrubar no Supremo, sem sucesso. Como não se trata de algo que possa ser simplesmente revogado com um decreto, como Lula está tentando fazer com o Marco do Saneamento, resta-lhe apenas usar a ferramenta que a lei lhe permite: as nomeações para a diretoria do BC, na tentativa de torná-lo mais amigável, leia-se subserviente.

Na segunda-feira, dia 8, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que seu secretário-executivo, Gabriel Galípolo, seria indicado pelo governo para a diretoria de Política Monetária do Banco Central, que vinha sendo ocupada interinamente desde o fim do mandato de Bruno Serra, em fevereiro. Para outra diretoria vacante, a de Fiscalização, o nome escolhido foi de Aílton Aquino, respeitado funcionário de carreira do BC. Ao comentar as duas indicações, Haddad, disse que ambos “vão observar rigorosamente a mesma lei. E com o seguinte comando: é buscar harmonizar a política fiscal e a política monetária. Então não tem nenhuma outra intenção que não seja buscar a integração, buscar a coordenação com o mesmo propósito. Qual? Crescer com baixa inflação e com justiça social”.

O que o governo quer não é “harmonia”, mas sujeição: uma política monetária que valide a irresponsabilidade fiscal lulista

Um palavrório que engana apenas os mais incautos. “Harmonização”, “integração” e “coordenação” entre políticas monetária e fiscal não são um fim em si mesmo. Afinal, se um governo praticar uma política fiscal completamente irresponsável e inflacionária, cabe ao BC impor uma política monetária em sentido oposto, que atenue o estrago; a convergência só é desejável quando ela ocorre em nome da saúde fiscal que fortalece a moeda, eleva a confiança, atrai investimento e gera emprego e renda. Mas a essa altura já está bem claro que o “propósito” do governo está longe de ser “crescer com baixa inflação e com justiça social”, e sim gastar o que for preciso, inclusive tolerando-se uma inflação mais alta, já que Lula se mostra incomodado não apenas com atual Selic, mas também com a atual meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. No fim, o que o governo quer não é “harmonia”, mas sujeição: uma política monetária que valide a irresponsabilidade fiscal lulista, como fizera Alexandre Tombini, que presidiu o BC na era Dilma e comandou um ciclo de redução artificial de juros entre 2011 e 2012, tão insustentável que foi revertido logo depois.

A indicação de Galípolo marcaria, então, o início da construção de uma “base aliada” do governo dentro do BC e do Copom, para atingir lentamente esse objetivo? Haddad destacou o currículo do indicado como ex-presidente do Banco Fator, disse que ele tem bom trânsito no Congresso e mencionou que o primeiro a falar de Galípolo como possível diretor do BC foi o próprio Campos Neto, em almoço durante reunião do G20 na Índia. Tudo para dar a impressão de que o novo diretor, caso seja aprovado pelo Senado (que tem o papel de sabatinar indicados a diretorias do BC), seria um nome bem visto pela classe política e também pelo mercado.

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No entanto, há bons motivos para preocupação, pois Galípolo também é apontado como defensor da Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês), uma linha bastante heterodoxa que pode ser resumida na ideia segundo a qual políticas expansionistas podem ser livremente bancadas pela emissão de moeda como forma de autofinanciamento do governo. Este ciclo sem fim em que aumento de gastos e emissão de moeda se retroalimentam costuma trazer resultados positivos imediatos, mas que logo são soterrados por inflação e recessão duradouras. Mesmo sendo repudiada por economistas de inclinações mais à esquerda, como Paul Krugman, e apesar de já ter sido tentada no passado em vários países latino-americanos (incluindo a Argentina kirchnerista e a Venezuela bolivariana), com resultados catastróficos, a MMT ainda tem seus entusiastas, inclusive no Brasil, alguns dos quais são ligados ao PT. No ano passado, Galípolo apareceu como um dos responsáveis por um documento do Núcleo de Economia Política do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) que defendia políticas inspiradas na MMT – o núcleo é coordenado por André Lara Resende, um desses entusiastas da Teoria Monetária Moderna.

É obrigação do Senado, durante a sabatina de Galípolo, confrontá-lo com suas declarações passadas para entender que tipo de perspectiva o indicado pretende levar ao BC e ao Copom. Hoje, ele seria apenas um voto entre nove, mas Lula ainda nomeia mais dois diretores este ano e, em 2024, escolherá o sucessor de Campos Neto – um dos nomes cotados é justamente o de Galípolo. Se o presidente da República quer aparelhar o BC para impor uma política monetária subserviente, cabe ao Senado frear esse movimento; do contrário, em pouco tempo Lula finalmente terá um Tombini para chamar de seu.


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