Editorial
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Gazeta do Povo
Celso Amorim, assessor de Lula para política exterior, se reuniu na Ucrânia com o presidente Volodymyr Zelensky e outras autoridades do país.| Foto: Divulgação/Governo da Ucrânia
Uma das características mais marcantes da nova-velha diplomacia brasileira nesses primeiros meses de terceiro governo Lula é a incapacidade completa de fazer análises precisas sobre os conflitos que afligem o mundo, seja os novos, seja os antigos. Em apenas dois dias, o Itamaraty e o assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, deram demonstrações dessa incapacidade ao comentar a guerra na Ucrânia e o conflito palestino-israelense.
Às vésperas de uma reunião do G7 para a qual Lula foi convidado, e na qual certamente ouviria cobranças sobre suas absurdas declarações que, na menos pior das hipóteses, igualavam moralmente os agressores russos e as vítimas ucranianas, o petista enviou Amorim à Ucrânia em uma missão de contenção de danos. Lula havia dado todas as razões possíveis para que o mundo visse o brasileiro como alguém que escolhera o lado errado. Mais recentemente, nos Emirados Árabes, Lula chegou a dizer que “a decisão da guerra foi tomada pelos dois países”; que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, “não toma a iniciativa de parar”; e que “a Europa e os Estados Unidos terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra”. No início de abril, Amorim já tinha se encontrado com Vladimir Putin, e poucos dias depois foi a vez de o chanceler russo, Sergei Lavrov, retribuir a visita, vindo a Brasília.
Escolher o lado errado, ou optar pela neutralidade em ocasiões em que a defesa da paz, da democracia, dos direitos humanos e da ordem internacional exige uma tomada de posição, é praxe petista desde a primeira vez que Lula recebeu a faixa presidencial
A julgar pela fala de Amorim após seu encontro com Zelensky e o vice-chanceler ucraniano, Andrii Melnyk, o assessor brasileiro continua sem compreender bem o perigo à ordem internacional representado pela agressão russa. “Não será fácil chegar a uma confluência. Será necessário que os dois lados cheguem à conclusão de que o custo da guerra é maior do que o custo de certas concessões”, disse Amorim em entrevista. Que “concessões” deveria fazer a Ucrânia, um país que, sem ter realizado nenhum tipo de agressão, foi invadido por uma potência vizinha? Amorim não disse. A Ucrânia – que já fez uma concessão importante nos anos 90, abrindo mão de seu arsenal nuclear – deveria ceder à Rússia parte dos territórios invadidos em 2014 e 2022? Deveria abrir mão de pedir sua adesão à Otan ou à União Europeia, desistindo do direito de decidir seu próprio destino? Qualquer “concessão” agora seria uma validação dos métodos russos, aquilo que a já nos referimos como “a paz dos valentões”. Não há negociação justa sem ter como ponto de partida o respeito à integridade territorial ucraniana, como aliás afirmou Zelensky após seu encontro com Amorim, e é por ela que os ucranianos lutam sem a “iniciativa de parar”
O vice-chanceler ucraniano afirmou, depois do encontro com Amorim, que “o Brasil pode desempenhar um papel importante para deter a agressão russa e alcançar uma paz duradoura e justa”. De fato pode, mas apenas se o país abandonar a postura dúbia. A detestável equivalência moral entre russos e ucranianos não é requisito para que uma nação se coloque na posição de mediadora, mas a firmeza de princípios sim. Até o momento, Lula não tem a menor ideia do que fazer, e ele mesmo o admitiu à tevê chinesa; seu único “plano” é reunir países para que possam, enfim, elaborar um plano. É muito pouco, quase nada para quem gosta de bravatear sobre um suposto “retorno” do Brasil à arena internacional.
Semelhante miopia seletiva ocorreu também na nota do Itamaraty a respeito do recente ataque israelense à Faixa de Gaza, mirando alvos do grupo terrorista Jihad Islâmica e matando três de seus líderes, em resposta ao contínuo lançamento de foguetes contra território de Israel. A solidariedade brasileira é dirigida apenas “ao povo e ao governo do Estado da Palestina”; até existe menção a israelenses mortos neste ano, mas o recurso aos números esconde um truque retórico. Com a referência a 15 vítimas israelenses e 100 palestinas em 2023, tenta-se dar a impressão de um conflito desequilibrado e superficial, com ações desproporcionais de Israel, ignorando que o número de mortos israelenses é baixo porque o país conta com avançados sistemas de defesa, enquanto o terrorismo palestino deliberadamente mistura suas instalações com prédios civis em uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, aumentando a probabilidade de mortes entre inocentes, usadas por grupos como a Jihad Islâmica e o Hamas para estimular o ódio a Israel.
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O Brasil tem todo o direito de defender a solução de dois países, mas também tem o dever de reconhecer o direito de Israel à autodefesa, levar em conta que Gaza é governada por grupos que nem sequer admitem a existência de Israel, e repudiar os métodos dos terroristas – o lançamento de foguetes contra civis israelenses é mencionado em apenas uma das seis notas do Itamaraty sobre o conflito palestino-israelense publicadas desde a posse de Lula. O presidente da República, aliás, já sofreu críticas por declarações historicamente equivocadas sobre a questão palestina em sua recente viagem à Espanha.
O epíteto de “anão diplomático” dado ao Brasil em 2014 veio justamente de um integrante da chancelaria israelense, após uma nota do governo Dilma Rousseff que padecia do mesmo erro do recente comunicado do Itamaraty. Escolher o lado errado, ou optar pela neutralidade em ocasiões em que a defesa da paz, da democracia, dos direitos humanos e da ordem internacional exige uma tomada de posição, é praxe petista desde a primeira vez que Lula recebeu a faixa presidencial, num distante 2003. O hábito, ao que tudo indica, não foi abandonado.
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