Geopolítica
Vitória de Erdogan na Turquia pode atrapalhar aliança militar do Ocidente e favorecer Moscou
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Gazeta do Povo


O presidente reeleito da Turquia, Recep Erdogan| Foto: EFE/SERGIO PEREZ


O presidente Recep Tayyip Erdogan superou seu maior desafio político em duas décadas no poder ao vencer a eleição na Turquia no domingo (28). O país passa por uma crise econômica que elevou a inflação a 45% e se recupera de um terremoto que deixou cerca de 50 mil mortos em fevereiro. Mas a permanência de Erdogan no poder não tem apenas consequências para o povo turco. Ela influi tanto nas relações de poder regionais como no jogo geopolítico da Europa.

A entrada de novas nações na Otan (aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos) exige a anuência de todos os países-membros. A Turquia faz parte da aliança e Erdogan vem dificultando e ameaça impedir a entrada da Suécia se o país não entregar suspeitos de pertencer ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (conhecido pela sigla PKK). A Finlândia e a Suécia pediram para entrar no Otan com medo do expansionismo territorial russo evidenciado pela invasão da Ucrânia. Erdogan chegou se colocar contra a entrada da Finlândia, mas mudou de opinião.

Além disso, a Turquia vem abrigando ao menos 4 milhões de refugiados da guerra na Síria desde 2011. Erdogan tem dado abrigo para a maior parte desses refugiados e a Europa teme que, se ele mudar sua política, uma nova onda de imigrantes possa se deslocar e desestabilizar o continente.

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O presidente turco vem pressionando países da União Europeia para enviar mais recursos financeiros para atender os refugiados – caso contrário ele vai “abrir a porta” da Europa para os imigrantes.

Erdogan tem recebido pressão de partidos de direita para mandar os refugiados de volta para a Síria. Mas ele deve adotar a posição de mantê-los na Turquia, mas deslocá-los para redutos políticos de seus opositores. Isso acontece em meio a relativamente frequentes operações militares realizadas pela Turquia em território sírio.

Com Erdogan no poder, Rússia e Turquia podem continuar se aproximando
Erdogan é responsável por estreitar as relações com a Rússia desde o início da invasão à Ucrânia. No início do conflito, o presidente turco não aderiu às sanções econômicas impostas à Rússia pelo grupo do G7, formado pelas democracias mais industrializadas do mundo.

Apesar de proibições dos Estados Unidos e de seus aliados, Erdogan continuou a importar petróleo dos russos e ainda sugeriu que o presidente Vladimir Putin visitasse o país. No passado, o presidente turco havia desafiado Washington ao adquirir armamentos russos (baterias antiaéreas) mesmo sendo um membro da Otan. Por isso, o país ficou de fora do programa ocidental da construção do avião de caça F-35.

Mas a relação de Erdogan com Moscou é ambígua. A Turquia forneceu os drones Bayraktar para a Ucrânia, que tiveram papel decisivo no início da guerra ao destruir com facilidade os blindados russos que avançavam para Kyiv.

A política de relativo equilíbrio alcançada por Erdogan permitiu a ele ser um intermediador, ao lado da ONU, do acordo que permitiu o escoamento da produção de grãos da Ucrânia e da Rússia pelo Mar Negro – a Turquia controla o estrito de Bósforo, que é a saída do Mar Negro para o Mar Mediterrâneo. Isso impediu uma crise mundial de alimentos e colocou o turco como um possível negociador em um acordo futuro de cessar-fogo elevando seu status diplomático regional.

O candidato derrotado nas urnas da Turquia, Kemal Kilicdaroglu, defendeu durante a campanha uma política de reaproximação dos Estados Unidos e da União Europeia. Por isso, a eleição de Erdogan, em tese, favorece a Rússia, que pode continuar se aproveitando do posicionamento independente do presidente turco.

Kilicdaroglu chegou a acusar o Kremlin de interferir nas eleições, mas não apresentou provas definitivas. Pelo Twitter, ele disse que a Rússia contribuiu para a reeleição de Erdogan produzindo conteúdo falso e travando uma guerra de informação para favorecer seu candidato. Suspeita-se que a Rússia tenha feito operação similar na eleição de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos. A trama foi descoberta na época pelo Departamento de Estado.

Eleição no domingo foi maior teste político de Erdogan desde seu primeiro pleito
Aos 69 anos e após duas décadas no poder, Erdogan superou muitas crises em que seu fim político foi anunciado. Ele é o presidente que mais teve poder desde que Mustafa Kemal Atatürk fundou a República da Turquia, em 1923.

Erdogan começou sua meteórica carreira política como prefeito de Istambul, entre 1994 e 1998, cargo que executou de forma eficiente e serviu de trampolim para se tornar primeiro-ministro em 2003. Durante os 11 anos em que foi chefe de governo e os nove em que foi presidente, sua forma de exercer o poder tornou-se cada vez mais autoritária e o conteúdo religioso de suas políticas cada vez mais evidente.

Em 2013, uma série de protestos em massa, que duraram semanas, deixaram claro que grande parte da sociedade turca, a mais urbana e laica, estava cansada dos ataques à liberdade de imprensa, da moral religiosa afetando cada vez mais a vida cotidiana e da guinada autoritária.

Seu papel como único homem forte do país aumentou após a tentativa de golpe de 2016 e um ano depois com uma reforma constitucional que transformou a Turquia em um sistema presidencialista e deu a Erdogan enormes poderes executivos.

Nos últimos dois anos, a tendência de Erdogan de governar sozinho e decidir tudo se fez sentir na economia, impondo uma política de redução de juros para estimular os gastos, a produção e o emprego, o que contribuiu para que a inflação disparasse.

Agora, com a lira turca em níveis mínimos históricos em relação ao dólar e ao euro, o desemprego em 22,5% e inflação em 45% (embora economistas independentes a cifrem em mais que o dobro), Erdogan recorre a inaugurações de obras de infraestrutura e apresentações de armamento projetado e fabricado localmente para convencer a empobrecida classe média da Turquia do poderio econômico do país.

Seu último grande teste foi o terremoto que em fevereiro deixou mais de 50.000 mortos no sudeste do país, o que gerou críticas à má gestão do socorro às vítimas e denúncias à corrupção que permitiu que milhares de prédios fossem erguidos sem licença.

Para os observadores internacionais, as eleições que se encerraram neste domingo foram um caso à parte na história do país. Erdogan não conseguiu encerrar a disputa no primeiro turno, mesmo com todas as vantagens que ele tinha em relação às demais candidaturas. Seu principal opositor praticamente não tinha tempo de TV, enquanto os discursos do presidente eram transmitidos na íntegra. Além disso, ele aumentou o salário mínimo três vezes ao longo do último ano e meio.

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