Entrevista com o diretor-geral do Ranking dos Políticos
“Protestos de 4 de junho expressam indignação popular com agressões a direitos constitucionais do cidadão”
Por
Sílvio Ribas – Gazeta do Povo


Juan Carlos Gonçalves, diretor-geral do Ranking dos Políticos| Foto: Juan Carlos Gonçalves / Arquivo Pessoal

A perspectiva de crescente insegurança jurídica no país, exemplificada pela recente cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), despertou a reação de entidades da sociedade civil, como o Ranking dos Políticos, que foi criado há 10 anos para monitorar o comportamento dos congressistas em votações e projetos legislativos. Juan Carlos Gonçalves, diretor-geral da ONG Ranking, acredita que arbitrariedades praticadas por poderosos representam potencial ameaça a todos os representantes eleitos democraticamente, e pode, inclusive, afetar a economia.

A decisão de apoiar as manifestações de rua contra a escalada de abusos surge a partir das convicções centrais do Ranking, que incluem o combate a toda forma de corrupção, a oposição ao desperdício de recursos públicos e a busca por melhorias do país. Como porta-voz dos movimentos Fora Corruptos, Grita, Olho no Congresso Brasil, Vem Pra Rua, Curitiba Contra Corrupção, Mude, além do próprio Ranking, Gonçalves participou da convocação de protestos nacionais para 4 de junho. O chamamento para os atos foi feito por Dallagnol, em conjunto com outros parlamentares de oposição e as entidades citadas, em 24 de maio, na Câmara dos Deputados.

O cientista político afirmou na ocasião que “envolvidos em corrupção ocupam cargos de poder, enquanto os que lutaram contra a corrupção estão sendo cassados e perseguidos”. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele destaca a importância de defender o voto popular e a institucionalidade, e lamenta a postura contrária à conciliação do país exercida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A seguir, confira a entrevista.

O que levou uma entidade da sociedade civil dedicada a monitorar a performance dos parlamentares federais, dentre de alguns critérios, a ir também para as ruas em protesto contra abusos de poderosos?

Juan Carlos Gonçalves: O Ranking dos Políticos surgiu há uma década com o propósito de contribuir para a transformação positiva do Brasil. Desde então, mantivemos a nossa determinação em buscar um país com menos privilégios, menos desperdício de recursos públicos e, acima de tudo, livre da corrupção, que tanto nos aflige. Além disso, a nossa organização sempre valorizou a integridade das instituições democráticas e foi incansável em proteger os princípios legais estabelecidos na Constituição Federal.

No momento em que testemunhamos ataques aos pilares da democracia e da Justiça, em meio a um preocupante processo de desmantelamento, emerge o receio de uma crescente insegurança jurídica. Diante dessa realidade, não podemos permanecer quietos e em silêncio. Antes do atual cenário, no qual se destaca a cassação do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que nos motivou, juntamente com outros movimentos, a convocar uma grande manifestação nacional pacífica e organizada para o dia 4 de junho. Já havíamos ido às ruas. Foi em 2016, quando defendemos o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), movidos por convicções fundamentais para nós.

Quais são as implicações e os riscos que a cassação do deputado Deltan Dallagnol sinaliza para a democracia e para a institucionalidade do país?

Juan Carlos Gonçalves: A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do deputado mais votado pelo Paraná em 2022, tomada em um tempo surpreendentemente curto de apenas um minuto e seis segundos, revela algo muito mais sério. Vai além de meros direcionamentos e perseguições, pois afeta diretamente a confiança na previsibilidade e na jurisprudência que todos nós esperamos do sistema Judiciário. A insegurança resultante desse acontecimento pode ameaçar qualquer grupo político no futuro, independentemente de estarem no governo ou na oposição, de serem de esquerda ou de direita. A cassação de um mandato por meio de casuísmos hoje abre precedentes preocupantes, que invadem não apenas o âmbito político e eleitoral, mas também outras esferas, como a econômica.

Estamos correndo o risco de ter nosso destino cada vez mais determinado pelo arbítrio dos verdadeiros detentores do poder, sem levar em consideração o valor do nosso voto. Essa tendência coloca em perigo não apenas a nossa representação política, mas também o nosso próprio bem-estar coletivo. É fundamental que permaneçamos atentos e defendamos a importância da imparcialidade e da justiça para garantir um futuro mais estável e justo para todos. Os protestos de 4 de junho expressam a indignação popular com agressões a direitos constitucionais do cidadão.

O sentimento de indignação em relação à corrupção, que foi tão forte em 2013, ainda persiste o bastante para gerar mudanças significativas, ou foi enfraquecido diante das derrotas da Operação Lava Jato e da reação dos corruptos em busca de revanche?

Juan Carlos Gonçalves: A maioria da população brasileira não está acomodada diante dos abusos cometidos pelos poderosos e da desconexão dos Poderes com as demandas populares. Embora reconheça que os desdobramentos após os atos de vandalismo em Brasília, em 8 de janeiro, tenham contribuído para diminuir as expectativas de uma onda de protestos, a chama da indignação popular ainda queima intensamente e não pode ser apagada. Nossa proposta e ação consistem em retomar os protestos pacíficos e organizados que marcaram a história do país, levantando as bandeiras da democracia, liberdade e justiça. Não temos alternativa senão seguir por esse caminho para superar a situação atual. Precisamos simplesmente fazer o que precisa ser feito.

Pesquisas de opinião revelam a insatisfação da população com o governo, que continua perdendo popularidade, e com diversos pontos críticos da realidade nacional, sem qualquer sinal de mudanças satisfatórias em prol do bem-estar geral. A reação que o povo mostrou nos últimos 10 anos, nas ruas e nas urnas, ainda não se dissipou. Certamente, o ano eleitoral de 2024 refletirá esse clima de insatisfação generalizada, sobretudo quando o Congresso não oferece respostas urgentes que se espera e quando questões como as ameaças de censura ganham espaço. Se não fosse pela pressão popular, projetos como a regulação das redes sociais não seriam barrados.

Qual é a sua expectativa em relação aos protestos marcados para o dia 4 de junho em todo o país? Como está o ritmo de adesão nesse curto prazo de organização?

Juan Carlos Gonçalves: A expectativa para os protestos do dia 4 de junho é bastante positiva. Desde a convocação feita pelo Ranking dos Políticos, juntamente com outros movimentos e o deputado Deltan Dallagnol, na quarta-feira (24), temos recebido retornos extremamente favoráveis. Nossas redes sociais tiveram um aumento significativo de seguidores e engajamento logo após a convocação. A adesão está forte e tende a crescer, com outros movimentos se unindo ao nosso propósito e alinhando-se às nossas ações. Inclusive, estamos sendo contatados por entidades que não conhecíamos anteriormente, interessadas em se unir a nós.

No momento, estamos em processo de protocolar os pedidos de autorização junto às autoridades competentes para realizar as manifestações em todas as 27 capitais do Brasil. É importante ressaltar, mais uma vez, que esses protestos serão pacíficos e organizados. Estamos montando agendas com horários e locais de concentração, incluindo pontos de referência específicos. Além disso, estamos vendo uma adesão espontânea em outras cidades do país, que se juntaram aos esforços dos movimentos envolvidos na organização geral. Acreditamos que os protestos do dia 4 de junho serão marcados por uma participação expressiva e determinada da população, reforçando o compromisso com a busca por uma sociedade mais justa e livre de corrupção.

A polarização política cria desafios para que as questões de ética na política e combate à corrupção voltem a ganhar destaque nas ruas e nas urnas?

Juan Carlos Gonçalves: É inegável que o Brasil saiu profundamente dividido das últimas eleições presidenciais, com praticamente duas metades do eleitorado alinhadas em campos opostos. Essa divisão tem reverberado e intensificado o clima de animosidade no país, mas não podemos ficar em silêncio ao testemunhar uma série de atrocidades e retrocessos em diversas agendas, especialmente no que diz respeito aos direitos fundamentais do cidadão estabelecidos na Constituição. Também é uma realidade que essa divisão nacional não será superada antes das próximas eleições presidenciais em 2026. Isso ocorre porque o atual presidente da República em nada contribui para superar essa profunda ruptura. Pelo contrário, a sua postura revela um governante que não representa todos os brasileiros, como se espera de alguém investido com essa nobre responsabilidade. Ele continua direcionando seus discursos apenas aos seus simpatizantes e hostilizando seus opositores.

Infelizmente, nos últimos tempos, não temos testemunhado uma postura conciliadora por parte do governo, o que nos leva a sentir a necessidade de expressar nossa indignação nas ruas por meio de protestos. A polarização política pode eventualmente dificultar o retorno do protagonismo da pauta ética e do combate à corrupção, mas não podemos permitir que essas questões sejam esquecidas ou negligenciadas. É fundamental continuarmos a defender esses princípios e a buscar uma sociedade mais ética, justa e livre de corrupção, mesmo em meio aos desafios do cenário político.

Como o senhor avalia a decisão do MBL de não mais participar dos eventos programados para o 4 de junho?

Juan Carlos Gonçalves: Lamentamos a notícia, mas compreendemos as razões e o contexto por trás dessa decisão. A atual conjuntura social e política do país tem fomentado críticas entre diferentes grupos e o acentuar das divergências. Apesar disso, acreditamos que, mesmo ausente fisicamente nos protestos convocados para domingo, o MBL continuará apoiando as causas que motivaram essas manifestações de rua. É inegável que o movimento representa uma das vozes que denunciam tudo aquilo que estamos rejeitando.

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