Apesar de todos os interesses e dificuldades, clima no Congresso é favorável à aprovação da proposta pela primeira vez em anos. Governo não pode deixar esta rara oportunidade passar
Por Notas & Informações – Jornal Estadão
Com a aprovação do arcabouço fiscal, a Câmara deve finalmente dar andamento à reforma tributária, assunto que é debatido há anos na Casa. O relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), pretende apresentar um relatório com as diretrizes da proposta nos próximos dias, mas o substitutivo que irá a votação só será divulgado depois disso. A ideia é submeter o texto ao plenário antes do recesso parlamentar, um cronograma que parece muito otimista diante dos numerosos interesses que um texto digno de ser chamado de reforma deva endereçar.
O coordenador do grupo de trabalho que discute o tema, Reginaldo Lopes (PT-MG), já adiantou que os setores de saúde, educação e transporte coletivo poderão contar com uma alíquota reduzida no Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que deve substituir vários tributos que hoje incidem sobre o consumo. Aventa-se a possibilidade de privilegiar, também, produtos do agronegócio.
Considerando que nem Ribeiro nem Lopes são deputados inexperientes, é de perguntar o que pretendem com as sinalizações que têm dado sobre os rumos da reforma tributária. A divulgação de um parecer com diretrizes gerais, antes do texto que será votado em plenário, soa como diversionismo para não enfrentar de uma vez os conhecidos dissensos da reforma. Já a admissão de que alguns setores terão alíquotas diferenciadas abre a porteira para que todos defendam privilégios para si mesmos.
Reportagens do Estadão têm mostrado a batalha que ocorre nos bastidores da atuação do grupo de trabalho. Empresários de segmentos com direito à desoneração da folha de pagamento querem que a manutenção do benefício seja incluída na proposta – embora esta etapa da reforma nem sequer trate de encargos sobre salários dos funcionários. No lugar da devolução de impostos pagos pela parcela mais vulnerável da população, representantes de supermercados pleiteiam a manutenção da isenção generalizada dos itens da cesta básica, uma política pública cara, sem foco e que atinge até as camadas mais abastadas da sociedade.
Governadores e prefeitos, por sua vez, defendem o IVA Dual, ou seja, um que unifique os tributos da União, como PIS, IPI e Cofins, e outro que una os impostos estaduais e municipais, como ICMS e ISS. “O que será realmente a autonomia de um governador? Qual é a função de uma Assembleia Legislativa? Em nome de uma reforma tributária, você não pode matar a Federação, concentrar todos os poderes nas mãos de um comitê”, criticou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.
Todas estas demandas são legítimas e não são nenhuma novidade. Nos últimos anos, os debates no Congresso provaram só haver consenso sobre a necessidade de uma reforma para substituir um sistema que se tornou completamente disfuncional ao longo dos anos. Cada setor, no entanto, quer ter direito a um tratamento especial, justamente a origem do que levou ao manicômio tributário atualmente em vigor. Subsídios, regimes diferenciados e guerras fiscais evidenciam essa prática que, de exceção em exceção, dinamitou as bases do sistema como um todo.
Apesar das dificuldades, há um clima favorável à aprovação de uma reforma tributária ampla como há muito não havia. Diferentemente da proposta de fatiamento defendida pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a administração de Jair Bolsonaro, sabiamente, ao menos neste tema, o governo Lula decidiu não bater de frente com o Congresso. A reforma conta com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve reconhecido seu papel como interlocutor e articulador nas pautas econômicas de interesse do Executivo.
São os detalhes e as exceções, porém, que podem fazer o texto naufragar, e é preciso enfrentá-los com pulso firme. A tramitação do texto será um novo teste à liderança de Haddad, que, em sintonia com o relator do parecer e as lideranças do Congresso, terá o desafio de arregimentar o maior apoio político possível sem deturpar os princípios da proposta. É obrigação do governo não deixar esta rara oportunidade passar.