Fundo bilionário da reforma tributária ficará fora do arcabouço fiscal, propõe relatório da Câmara

Ainda não há valores definidos para o repasse do fundo, mas o relatório do grupo de trabalho deixa clara a diretriz de colocar o repasse como uma exceção das regras fiscais

Por Adriana Fernandes e Mariana Carneiro

DINHEIRO E A LENTE – LONDRINA – 14/09/12 – Ilustrativa de dinheiro com lupa e calculadora. foto: Gilberto Abelha / Agência de Notícias Gazeta do Povo

BRASÍLIA – O relatório do grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara prevê que o aporte de recursos federais no fundo que será criado para compensar Estados e municípios com o fim da chamada guerra fiscal no País ficará de fora do limite de despesas do novo arcabouço fiscal. A informação foi confirmada pelo relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O texto foi apresentado nesta terça-feira, 6.

O Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que sempre foi um dos entraves para o avanço da reforma tributária, tem o objetivo de distribuir recursos mediante critérios para a redução de desigualdades regionais e o estímulo ao desenvolvimento e geração de emprego e renda. Ainda não há valores definidos para ele, mas parlamentares e representantes dos Estados falam em algo entre R$ 50 bilhões e R$ 150 bilhões.

Apresentação do relatório do grupo de trabalho da reforma tributária pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Apresentação do relatório do grupo de trabalho da reforma tributária pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).  Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Ele será criado para compensar a perda, com a reforma tributária, do mecanismo de incentivos tributários concedidos pelos Estados para atrair empresas às suas regiões. Uma das hipóteses em discussão é que seja adotado o mesmo critério de partilha usado atualmente pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O relatório do grupo de trabalho deixa clara a diretriz de colocar o repasse como uma exceção da nova regra fiscal, que tramita no Senado. Ao sair do novo teto, o fundo não precisará competir com outras despesas por espaço no Orçamento do governo. O número de exceções à regra tem preocupado economistas, que questionam a capacidade do arcabouço de controlar a trajetória da dívida pública.

Questionado pelo Estadão sobre esse ponto específico — não relatado durante a audiência de apresentação do relatório —, Ribeiro foi taxativo: “Ficará fora”.

Ao seu lado, o secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, buscou tranquilizar sobre os valores do fundo diante da exceção proposta pelos deputados. Segundo ele, não será um valor ilimitado.

Appy assegurou que tudo será feito de forma “fiscalmente responsável”, sem comprometer a trajetória da dívida pública prevista no arcabouço. Mas assim como Ribeiro, o secretário do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou falar de valores.

Ele confirmou, porém, ser intenção do governo fazer o aporte. O relatório do grupo de trabalho recomenda que o fundo seja abastecido primordialmente com recursos do governo federal. A exceção proposta na reforma tributária acontece antes mesmo de o arcabouço ser aprovado no Senado Federal.

Ainda é dúvida de onde o governo vai tirar os recursos para o fundo. Uma das propostas que tem sido comentada por deputados é usar uma parcela de receitas do petróleo.

Impasse antigo

Em 2020, o aporte do governo federal para o fundo bilionário foi o motivo da briga entre o então ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara na época, Rodrigo Maia. A rixa foi a gota d’água na relação entre os dois, o que contribuiu para emperrar a tramitação da reforma no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na época, Guedes alardeou que havia uma tentativa de “sangrar” os cofres da União em meio trilhão de reais. Uma ida de Maia ao Recife para tratar da reforma tributária com secretários de Fazenda do Nordeste levou Guedes a proibir o diálogo dele com a equipe econômica. O rompimento político dos dois foi, então, selado.

“O sentimento (agora) é outro. Existe o sentimento de cooperação federativa e uma manifestação expressa do ministro Haddad de querer uma reforma tributária. O grupo tem o papel de mediar isso”, avaliou o Ribeiro, após reunião na segunda-feira à noite na casa do coordenador do grupo de trabalho, Reginaldo Lopes (PT-MG).

O que é o FDR

Diferentemente de fundos setoriais que atendem apenas algumas regiões, como o do Centro-Oeste (FCO) e do Nordeste (FDNE), a iniciativa teria amplitude nacional. O texto recomenda que o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) seja financiado, primordialmente, com recursos da União.

Os critérios de distribuição dos recursos devem ter o objetivo de redução de desigualdades regionais e o estímulo ao desenvolvimento e geração de emprego e renda. A sugestão é que seja feito o mesmo critério de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O relatório recomenda a aplicação dos recursos do fundo em fomento à atividade produtiva, investimentos em infraestrutura e inovação, com priorização de projetos ambientalmente sustentáveis.

Relator apresenta diretrizes da reforma tributária; veja os principais pontos da proposta

Proposta prevê IVA dual, alíquotas diferenciadas para alguns setores, cashback e IPVA para jatinhos

Por Adriana Fernandes e Mariana Carneiro – Jornal Estadão

BRASÍLIA – O relator da reforma tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou que a previsão de votação da proposta no plenário da Casa é na primeira semana de julho. A deputados, o relator informou que deverá apresentar o texto a ser votado em dez dias.

Durante a leitura do relatório do grupo de trabalho na tarde desta terça-feira, 6, que apresentou diretrizes para a proposta a ser elaborada por Ribeiro, o relator enfatizou que a mudança na tributação do consumo não acarretará em aumento da carga tributária.

Relator Aguinaldo Ribeiro diz que Lira pretende votar o texto na Câmara na primeira semana de julho.
Relator Aguinaldo Ribeiro diz que Lira pretende votar o texto na Câmara na primeira semana de julho. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Veja a seguir os principais pontos da proposta apresentada pelo grupo de trabalho da Câmara.

IVA

Cinco tributos sobre o consumo (PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado(IVA) geral de base ampla cobrado no destino (local onde o produto/serviço é consumido, e não produzido, como é hoje). O imposto, chamado de Imposto sobre bem e Serviços (IBS), incidirá sobre todos os bens e serviços que existem ou que venham a existir. O novo imposto não poderá incidir sobre ele mesmo, como acontece hoje.

IVA dual

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O IVA será dual: um do governo federal e outro compartilhado entre Estados e municípios. Ao invés de um IBS único (compartilhado por União, Estados e municípios), a União arrecada separadamente a sua parcela na tributação (unificando PIS/Cofins e IPI) e os, Estados e municípios, a deles (unificando ICMS e ISS).

Alíquotas

Haverá uma alíquota padrão, permitindo-se outras alíquotas para bens e serviços específicos. As alíquotas diferenciadas devem ser aplicadas apenas a determinados casos. O GT recomenda o tratamento especial apenas bens e relacionados à saúde, educação, e transporte público, coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano e aviação regional, bem como produção rural.

Além desses, deve-se avaliar a possibilidade de manter o tratamento diferenciado aos produtos da cesta básica. O texto evita falar em setores, mas sim em bens e serviços.

Regimes especiais

Operações com bens imóveis, serviços financeiros, seguros, cooperativas, combustíveis e lubrificantes, que necessitam de sistemas de apuração próprios, deverão ter regimes especiais, como acontece na maior parte dos IVAs internacionais. A recomendação é de que não haja redução de carga tributária.

Imposto seletivo

Recomenda-se que haja um imposto específico sobre alguns produtos para desestimular seu consumo, como cigarro, bebidas e produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. A ideia é que esse novo imposto venha a compensar, pelo menos em parte, a diminuição de receita gerada pela extinção do IPI, contribuindo para a redução da alíquota de equilíbrio do IBS federal.

Simples Nacional

Empresas do Simples Nacional poderão optar entre dois modelos de recolhimento. A primeira opção é que o contribuinte prossiga no recolhimento unificado dos tributos abarcados pelo Simples Nacional (inclusive o IBS), de forma semelhante ao funcionamento atual.

Será permitido que pessoas jurídicas que adquiram bens e serviços de empreendimentos enquadrados no Simples se apropriem de créditos. A segunda alternativa para as empresas do Simples é recolher o IBS conforme o regime normal de apuração, sem prejuízo de continuar no regime simplificado em relação aos demais impostos.

Zona Franca de Manaus

Garantia dos incentivos dos empreendimentos da região, previstos até o ano de 2073, enquanto se avança num novo modelo que ganhe em eficiência e competitividade, garantindo a expansão de empregos.

IPVA progressivo

Permite a possibilidade de o IPVA ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. Essa alteração está em linha com as propostas ambientais mais modernas defendidas mundialmente e caminha no mesmo sentido dos acordos de adequação de emissão de carbono em que o Brasil é signatário. Trata-se de uma proposta, portanto, em sintonia com o contexto mundial atual em relação tanto à tributação quanto à defesa do meio ambiente.

IPVA para lanchas e jatinhos

O texto recomenda a incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos. Hoje, o imposto apenas incide sobre veículos automotores terrestres. A intenção é a de deixar transparente no texto constitucional de que essa tributação abrange barcos e a aviões.

Cashback

Recomenda-se que a reforma preveja uma sistema de cashback, que é a devolução de imposto de parte do para famílias de baixa renda. A sugestão do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) trata da possibilidade da devolução imediata do imposto no ato da compra.

Plataformas digitais

A cobrança do IVA alcança bens e serviços fornecidos por meio de plataformas digitais, negócios que funcionam através de tecnologia. A tributação vai alcançar inclusive aquelas sediadas no exterior.

Devolução de créditos

O novo sistema deve garantir a devolução de créditos acumulados do IBS no mais breve espaço de tempo possível, com prazo máximo de 60 dias.

Transição

A transição dos tributos atuais para o novo modelo deverá ser feita ao longo de alguns anos. O texto do relatório não fala nos prazos. Diz apenas mudança será mais rápida para o PIS e a Cofins (tributos federais) e gradual para o ICMS (estadual) e o ISS. (municipal)

Fundo de Desenvolvimento Regional

Será um fundo de amplitude nacional, diferentemente de fundos setoriais que atendem apenas algumas regiões, como o do Centro-Oeste (FCO) e do Nordeste (FDN). Recomenda-se que o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) seja financiado, primordialmente, com recursos da União.

Os critérios de distribuição dos recursos devem ter o objetivo de redução de desigualdades regionais e o estímulo ao desenvolvimento e geração de emprego e renda. A sugestão é de que seja feito o mesmo critério de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

Recomenda-se a aplicação dos recursos do fundo em fomento à atividade produtiva, investimentos em infraestrutura e inovação, com priorização de projetos ambientalmente sustentáveis.

Fundo x regras fiscais

Relatório propõe que os recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional sejam livres do arcabouço fiscal. “Sugere-se, ainda, que a entrega dos recursos do fundo seja obrigatória e excetuada das bases de cálculo consideradas nas regras fiscais”, diz o texto.

Carga tributária

A transição será feita de modo a manter a arrecadação dos tributos atuais como proporção do PIB. Em nenhuma hipótese haverá aumento da carga tributária.

ITCMD

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) incidentes sobre imóveis, cobrado pelos Estados, deve ser progressivo como já acontece com o IPTU. Os prefeitos das grandes capitais e cidades médias querem que uma parcela da arrecadação do ITCMD para eles.

IPTU

Para atender uma demanda da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o texto recomenda autorização para que o Executivo atualize a base de cálculo do imposto por meio de decreto a partir de critérios gerais previstos em lei municipal, facilitando que as administrações municipais alcancem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização.

Redução da carga

Sugestão do Deputado Ivan Valente (PSOL-SP) diz que deverão ser avaliados mecanismos que permitam a redução da carga do imposto sobre consumo à medida que os impostos sobre a renda e o patrimônio forem instituídos e majorados.

Não-cumulatividade plena

O imposto pago em todos os gastos que contribuam para atividade econômica do contribuinte dará direito a crédito, independentemente se ligados à função administrativa ou à atividade fim da empresa, garantindo a neutralidade quanto à carga fiscal de todos os contribuintes.

Benefícios do ICMS do passado

Benefícios fiscais do ICMS convalidados (mantidos) até 2032 pela Lei Complementar nº 160 serão respeitados. O texto substitutivo deve definir, após discussão com governo federal e estadual, o modelo para o cumprimento dessa diretriz.

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By valeon