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Marcel van Hattem – Gazeta do Povo

Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) criada para investigar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro realiza reunião para instalação, eleição do presidente, vice e indicação do relator. A CPMI é formada por 16 senadores e 16 deputados federais titulares, com igual número de suplentes de cada Casa e vai investigar a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília. À mesa, pronunciamento, relatora da CPMI do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado


Senadora Eliziane Gama (PSD-MA) é relatora da CPMI do 8 de janeiro| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são um direito da minoria parlamentar. Ponto. Não é por outro motivo que o instrumento é protocolado e uma CPI precisa ser imediatamente instalada se cumprir três requisitos: fato determinado a ser investigado, prazo certo para funcionar e, frise-se com letras garrafais, a assinatura de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa em que for proposta ou de ambas as Casas quando for proposta em formato misto. Foi exatamente o que se deu com a CPMI de autoria do deputado federal André Fernandes destinada a investigar os atos de 8 de janeiro.

Apesar de ter obtido as assinaturas necessárias com relativa rapidez, a CPMI enfrentou inicialmente, porém, grandes dificuldades. Houve uma forte ofensiva do governo Lula para que deputados e senadores retirassem as assinaturas antes de sua instalação. Matérias na imprensa e conversas de bastidor davam conta de promessas de emendas parlamentares na casa das dezenas de milhões de reais por assinatura retirada. O resultado foi pífio: enquanto um número ínfimo de parlamentares retiraram suas assinaturas, sob vaias e protestos populares nas redes sociais, um número maior ainda de parlamentares somava-se à iniciativa, tornando-a sob o ponto de vista do cumprimento dos requisitos formais e constitucionais absolutamente inquestionável e inadiável.

A democracia e os poderes brasileiros, vilipendiados por vândalos em janeiro, bem como os presos injustamente merecem resposta mais decente e séria do Congresso Nacional.

A chicana política governista não parou por aí. Com o indispensável apoio do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), seguiu-se uma injustificável protelação para a sua instalação. Até vídeo com deputados e senadores da oposição foi gravado pelo presidente Pacheco cravando uma data para sua instalação. Na hora H a corda foi roída e a CPMI foi postergada sem prazo para instalação. A frustração da oposição era nítida, mas o governo sabia que sua ação era apenas paliativa.

Graças ao trabalho da imprensa livre, no dia 19 de abril deste ano vieram a público imagens reveladoras da omissão, da incompetência e até mesmo da ação de órgãos da segurança do governo Lula que contribuíram para as depredações ocorridas no dia 8 de janeiro no Palácio do Planalto. A CNN anunciava, naquela manhã, possuir centenas de horas de gravação de dentro do prédio onde despacha o presidente da República, em que vândalos receberam até mesmo copos d’água por agentes de segurança do governo. O então ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, e amigo de longuíssima data do presidente Lula (de cuja segurança pessoal, Inclusive, já foi chefe nos mandatos presidenciais anteriores), foi flagrado nas imagens em postura absolutamente condescendente e inadequada para aquele grave momento de tensão.

É de se repudiar que a institucionalidade do Congresso Nacional seja atacada com a tentativa de usurpação do governo de uma legítima e constitucional prerrogativa da minoria de investigar.

As imagens revelavam ainda que o Gabinete de Segurança Institucional estava efetivamente desguarnecido, a despeito dos informes da ABIN e de inúmeros outros órgãos do próprio governo, feitos anteriormente às manifestações de que elas poderiam desembocar em violência e depredação. A omissão foi tão flagrante, a incompetência tão escancarada, que o próprio governo decidiu rifar o ministro amigo de Lula. Entendia-se, então, porque as imagens do circuito interno de TV haviam sido sonegadas à Folha de São Paulo em pedido via Lei de Acesso à Informação e à bancada do Partido Novo por meio de Requerimento de Informação. A ambos os pedidos o governo respondeu informando que, “por segurança”, sobre tais imagens se havia imposto sigilo.

Tão grave foi a repercussão das imagens reveladas pela CNN que o governo mudou de narrativa e decidiu passar, então, a apoiar a criação da CPMI do 8 de janeiro. Após a instalação da comissão parlamentar e iniciados seus trabalhos, percebe-se, porém, que a intenção do governo com a sua criação foi apenas a de barrar qualquer investigação e tentar impor sua própria narrativa, em clara usurpação ao direito da minoria de investigar e, principalmente, de revelar a verdade aos brasileiros.

Para começar, a atual composição da CPMI fere o direito da minoria a ter direito à vaga do rodízio na Câmara dos Deputados garantida pela Constituição e pelo Regimento Comum das Casas. A vaga é claramente pertencente ao Novo, mas os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, decidiram inovar ao estabelecer critério inexistente de superação da cláusula de barreira nas eleições para que um partido possa integrar comissões de inquérito. Cometeram uma inconstitucionalidade que está agora sub judice no Supremo Tribunal Federal: como pode a vaga pertencente expressamente à minoria ter sido entregue ao PT, um partido da maioria? A ilegalidade é flagrante!

A oposição seguirá seu trabalho para a realização de todas as diligências necessárias para que o objetivo desta CPMI seja alcançado: a elucidação da verdade.

Continuando com indagações pertinentes, a CPMI tem maioria de membros composta por parlamentares que não assinaram o requerimento de sua criação. Qual interesse de investigar por parte daqueles que não subscreveram o pedido de investigação? Além disso, a maior bancada estadual representada na comissão é a do Maranhão, empatada com São Paulo (estado com representação congressual quase quatro vezes maior), com seis parlamentares dos quais cinco são governistas. Será coincidência que Flávio Dino, ministro da Justiça e também alvo de inúmeros requerimentos de convocação para dar explicações sobre ações e omissões de sua pasta no dia 8 de janeiro, seja senador eleito pelo Maranhão e ex-governador daquele estado? Finalmente, a relatora apontada pelo presidente da comissão, deputado Arthur Maia (União-BA) é Eliziane Gama (PSD-MA), também do estado do ministro da Justiça e da base governista. Como garantir que, a despeito de suas manifestações públicas por uma investigação independente, de fato ela será isenta na avaliação dos graves fatos daquele fatídico segundo domingo de janeiro deste ano?

A prova de que está ocorrendo uma verdadeira usurpação do direito da minoria no decorrer desta CPMI do 8 de janeiro está nos fatos: o plano de trabalho proposto pela relatora não trouxe sequer cronograma para realização das atividades da comissão, no que mais dá sinais de ser um relatório prévio do que, efetivamente, um plano de trabalho. Na proposta aprovada apenas com os votos governistas, a relatora limitou as atividades da CPMI aos atos preparatórios ao 8 de janeiro e desconsiderou completamente os desdobramentos, com os evidentes abusos de autoridade cometidos pelo STF e pelo governo Lula.

A pá de cal veio nesta semana: avaliados todos os requerimentos de convocação apresentados por governo e oposição, foram aprovados majoritariamente aqueles que tinham como alvo pessoas ligadas ao governo Bolsonaro e rejeitados os requerimentos de convocação de pessoas vinculadas ao governo Lula, incluindo Flávio Dino e Gonçalves Dias. Ora: se o governo declarou que tinha todo interesse em instalar a CPMI justamente na esteira da grave revelação de que houve omissões graves de um integrante seu reveladas em vídeo, por que agora quer blindar inclusive o ex-ministro demitido por Lula? O então ministro, que antes servia ao governo e deixou de servir após as imagens veiculadas na CNN, agora voltou a ser-lhe útil? Por que protegê-lo? O que justifica a incoerência entre o discurso da necessidade de instalação da CPMI feito há menos de dois meses para a operação abafa que se realiza hoje nos trabalhos da comissão?

No Congresso repete-se à exaustão que “a gente sabe como começa uma CPI, não como termina”. A julgar pela preocupação do governo em não investigar e tentar criar sua própria narrativa, parece ser questão novamente de tempo para que toda a verdade venha à tona, como o foi com as imagens reveladas pela mídia. É de se repudiar, porém, que mais uma vez a institucionalidade do Congresso Nacional seja atacada com a tentativa de usurpação do governo de uma legítima e constitucional prerrogativa da minoria de investigar. A democracia e os poderes brasileiros, vilipendiados por vândalos em janeiro, bem como os presos injustamente no curso dos inquéritos ilegais conduzidos pelo STF merecem resposta mais decente e séria do Congresso Nacional. Ainda assim, em minoria e maltratada, a oposição seguirá seu trabalho para a realização de todas as diligências necessárias para que, apesar de todos os obstáculos, os maiores objetivos desta CPMI sejam alcançados: a elucidação da verdade e a realização da justiça.


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