Operação da Polícia Federal
Silêncio do Senado sobre operação autorizada por Moraes contra Do Val alcança até parte da oposição
Por
Sílvio Ribas – Gazeta do Povo
Brasília
Senador Marcos do Val (Podemos-ES)| Foto: Pedro França/Agência Senado
Um dia após a operação de busca e apreensão realizada, nesta quinta-feira (15), pela Polícia Federal (PF) em três endereços do senador Marcos do Val (Podemos-ES), autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas uma parte da oposição manifestou opinião sobre o episódio. Esses criticaram a violação dos direitos de parlamentares e expressaram preocupação com a crescente ameaça à democracia. Mas 11 senadores oposicionistas contatados pela Gazeta do Povo optaram por adotar a postura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não fez nenhum pronunciamento.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado de Do Val, e o seu clã político também não se manifestaram publicamente sobre o caso. Até mesmo o partido do senador investigado decidiu não divulgar posicionamento.
Analistas apontam que esse silêncio se deve a uma combinação de fatores. Primeiramente, há receio em lidar com o perfil imprevisível de Do Val, que entrou em contradições ao abordar os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro e está envolvido em embate pessoal com Alexandre de Moraes. Além disso, existe o temor de retaliações do STF, inclusive de suspensão de redes sociais, e preocupações com efeitos desses fatos nas negociações para eleições municipais de 2024.
Já os parlamentares que se manifestaram destacaram os excessos do Judiciário e pressionaram o Senado por uma reação adequada.
A imunidade parlamentar, prevista no artigo 53 da Constituição, impede que representantes eleitos sejam responsabilizados civil e criminalmente por “quaisquer opiniões, palavras e votos”. No entanto, o STF tem questionado esses limites, como mostrado no julgamento da Ação Penal 1044 envolvendo o então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Nesse caso, o agora ex-parlamentar foi acusado de crimes contra o Estado democrático de direito e acabou sendo afastado e preso. Até mesmo o perdão da pena (graça) que recebeu de Bolsonaro acabou anulado pelo Supremo.
Marcos do Val teve acesso a documentos sigilosos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) desde fevereiro. Ele vem vazando trechos deles em suas redes sociais e tem insinuado haver neles conteúdos comprometedores para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e até mesmo para o ministro Alexandre de Moraes. O senador é investigado pelos crimes de divulgação de documento confidencial, associação criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa.
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O senador Eduardo Girão (Novo-CE) foi o único a ir à tribuna para protestar contra a operação da PF realizada contra Do Val. Para um plenário esvaziado nessa sexta-feira (16), ele enfatizou o descumprimento, por parte do STF, da inviolabilidade constitucional dos mandatos parlamentares e alertou para a piora da reputação do Senado, caso não haja reação oficial. Girão afirmou: “Após inúmeras invasões de competência do Judiciário sobre o Legislativo, testemunhamos a invasão física do gabinete de um senador. Sem julgar o mérito, o que ocorreu foi mais uma violação da Constituição”.
O senador questionou a segunda apreensão do mesmo celular de Do Val, após o depoimento anterior prestado à PF, a falta de pedido formal ao Senado para realizar a operação e bloqueio das redes sociais do colega. Para ele, a única chance de reverter a crise institucional é a sociedade se manifestar pacífica e democraticamente. Mas Girão destacou que muitos cidadãos estão temerosos de se expressar diante da censura e das prisões de políticos, empresários, religiosos e pessoas comuns por terem manifestado opiniões.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), considerou ser “deplorável assistir a um senador da República em exercício sofrer uma ação de busca e apreensão em seu próprio local de trabalho”. Na sua primeira reação ao fato, mostrou perplexidade e pediu esclarecimento sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, inclusive questionando se ela é mesmo pertinente e se tem o “devido fundamento legal”. “Por enquanto, estamos às escuras”, disse o senador em entrevista à rádio Jovem Pan.
O senador Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado, expressou apreensão com ações do Judiciário contra parlamentares de direita, afirmando que elas têm reduzido a importância do Senado. Ele destacou a violação das prerrogativas de um membro da Câmara Alta e ações do Judiciário que levam à desarmonia entre poderes. Portinho mencionou a cassação do agora ex-deputado Deltan Dellagnol (Podemos-PR) como prova de movimentações que ainda podem atingir o senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
“Agora, com a operação contra o senador Marcos do Val, que tem imunidade garantida por estar exercendo mandato, vemos que membros da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro também podem virar alvos do STF”, disse. Ele ressaltou a necessidade de lembrar a críticos da Lava Jato que o STF atua de forma semelhante, com concentração de poderes e “caça” sistemática de políticos.
Para o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o STF ultrapassou os limites de novo e seguiu impondo censura ao determinar o bloqueio dos perfis de Do Val nas redes sociais. “É inadmissível que um parlamentar tenha seu direito de fala cerceado. Até quando Congresso ficará impassível?”, protestou.
O senador Magno Malta (PL-ES) afirmou à Gazeta do Povo que não discutiria a gravidade do mérito das investigações contra Do Val, até por não saber “qual crime foi cometido”. “Apesar disso, quero apenas citar o artigo 53 da Constituição, com redação atualizada pela emenda constitucional 35 de 2001, de que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. A Carta Magna está na mão e ela é a Bíblia que rege a sociedade”, disse.
Na Câmara, ação do STF provoca protesto da oposição; PT quer afastar senador da CPMI
No embalo da operação da PF, deputados petistas, como Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional da sigla, e Rogério Correia (PT-MG), membro da CPMI de 8 de janeiro, trataram de cobrar do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o afastamento do senador Marcos do Val do colegiado, além de estender o pedido ao deputado André Fernandes (PL-CE), por serem investigados pelo STF.
Para o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), a operação da Polícia Federal, dessa vez contra um senador da República, “foi mais um absurdo cometido pelo Judiciário, e que mostra a urgência de se investigar esses atos”. Ele é autor de proposta de CPI para investigar abusos do Judiciário.
Ao comentar a situação em suas redes sociais, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) lembrou que o Partido Liberal (PL) foi multado em R$ 22 milhões, o mesmo número usado nas urnas. “Multa de 22 milhões no PL, audiência do Bolsonaro pro dia 22 e busca e apreensão no dia do aniversário do Marcos do Val. Justiça ou vingança?”, indagou.
“Rodrigo Pacheco é o pior, o mais covarde e o mais indigno presidente que o Senado já teve em toda a sua história. A operação contra Marcos Do Val foi, entre outros motivos, por demonstrar que a Abin realmente sabia o que aconteceria no dia 8. O crime foi fiscalizar. Um senador é alvo de busca e apreensão por exercer suas prerrogativas e o presidente da Casa não se dá ao trabalho de sequer lançar uma nota de repúdio. Nem mesmo Renan Calheiros foi tão submisso. É absolutamente vergonhoso”, publicou o vereador paulistano Fernando Holiday (Republicanos), ex-deputado federal.
Investigação apura controvérsias envolvendo o senador e Moraes
A investigação em curso está diretamente ligada aos relatos do senador Marcos do Val sobre um suposto plano golpista envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). No entanto, desde que Do Val alegou ter sido coagido a tentar incriminar Alexandre de Moraes por meio de uma reunião com o ministro, o senador já alterou sua versão várias vezes. Em um momento, ele admitiu ter inventado a história como uma estratégia para afastar Moraes da investigação contra Bolsonaro.
Na noite de quinta-feira (15), Do Val voltou a afirmar que a operação realizada pela Polícia Federal foi uma “tentativa de intimidação” arquitetada por Moraes. Ele declarou: “Se fui incluído como possível suspeito de ato antidemocrático, o ministro precisa ser incluído também, porque foi ele quem me pediu para participar dessa reunião”. Em fevereiro, Moraes confirmou ter ouvido a trama relatada pelo senador, mas alegou que Do Val se recusou a formalizar a denúncia. O senador também admitiu ter mentido para a imprensa, usando a estratégia da “persuasão”.
Nas redes sociais, Do Val vinha fazendo publicações acusando Moraes, Lula e o ministro da Justiça, Flávio Dino, de omissão, e alegava que estavam em um suposto conluio para criar uma armadilha para os manifestantes dos atos de 8 de janeiro, em Brasília.
Durante a entrevista de quinta-feira (15), o senador reiterou suas publicações e afirmou que tinha documentos em seu gabinete que colocavam o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na lista de alertas feitos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre o risco de invasões na Praça dos Três Poderes, e que Moraes queria acessar eles. As redes sociais do senador foram suspensas por determinação judicial.
Complemento:
Primeiro levaram os negros
Bertolt Brecht (1898-1956)
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
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