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Marcel van Hattem – Gazeta do Povo


Advogado Cristiano Zanin passou por sabatinado na CCJ do Senado| Foto: Alessandro Dantas/ PT Senado

Com Lula, as definições de “fundo do poço” estão sendo atualizadas com sucesso. Todos os dias. Agora, trata-se da indicação de Cristiano Zanin para ser ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Não bastasse ter uma ampla maioria de membros da Suprema Corte alinhados a si, Lula indica seu advogado pessoal para integrar o órgão máximo do nosso Judiciário. Como aceitar que a Justiça, que deve ser isenta e, inclusive, julgará muitas questões atinentes à Presidência da República, seja aparelhada desta forma?

A responsabilidade, porém, não recai apenas sobre Lula. Em uma democracia constitucional, com poderes independentes entre si, é papel do Legislativo impor os freios necessários aos desatinos dos outros Poderes. No entanto, o que vemos hoje é um Senado da República, responsável pela sabatina e eventual aprovação ou rejeição dos indicados ao STF pela Presidência, quase inteiramente subserviente às vontades do Executivo.

A cadeira com viés lulista será renovada por quase 30 anos adicionais. Fica assim claro, transparente e escrachado o quanto nosso STF é parcial e político.

Acompanhei pessoalmente no Senado a sabatina do ministro Kassio Nunes Marques, em 21 de outubro de 2022, e, sinceramente, até me constranjo ao perceber que acabei de escrever, na oração anterior, a palavra “sabatina”. Foi apenas uma série de perguntas para “cumprir tabela”: com mais de trinta senadores inscritos para inquirir, após o quinto senador da lista fazer suas perguntas (muitas delas sem jamais obterem a devida resposta), a presidente da sessão, senadora Simone Tebet (MDB/MS), determinou a abertura do processo de votação, secreto.

Ao que tudo indica, também com Cristiano Zanin o resultado já está pré-definido. Apesar de até mesmo juristas do quilate de um Ives Gandra da Silveira Martins ponderarem sobre a falta do constitucional notório saber do indicado, essa “filigrana jurídica” – como definiu certa vez o ministro do Supremo Luiz Fux certos ditames constitucionais – não será empecilho. O consolo nessa história toda? Lula indica para o lugar de um ministro seu, Ricardo Lewandowski, outro ministro seu, Cristiano Zanin.

O Senado da República, se fosse uma Casa cuja maioria dos seus membros se guiasse pela Constituição, barraria a indicação.

A cadeira com viés lulista será renovada por quase 30 anos adicionais. Fica assim claro, transparente e escrachado o quanto nosso STF é parcial e político. Já é mais do que hora de alterar a forma de indicação dos seus membros e, também, de limitação do escopo da atuação do Tribunal. É humanamente impossível que onze ministros deem cerca de 100 mil decisões por ano. 100 mil! Algo há de muito errado nesse cálculo e não é o seu resultado: é preciso fazer urgentemente a simplificação desta equação, cortando variáveis dispensáveis no STF e que deveriam ser de responsabilidade de outros Tribunais e órgãos judiciais ou mesmo da administração pública.

Também é preciso estabelecer mandatos para os ministros da Suprema Corte: a indicação vitalícia faz mal à instituição, perpetua vícios e consolida vaidades em intermináveis julgamentos televisionados. Alguns sugerem dez anos, outros doze anos – outros ainda menos, quatro ou seis. O fato é que não há, hoje, melhor incentivo para o desvio e o abuso do que a certeza de vitaliciedade em um cargo.

A impessoalidade como princípio e o notório saber jurídico como critérios constitucionais, às favas! O aparelhamento petista da máquina estatal segue a todo vapor.

Se ao menos houvesse um controle sobre suas atividades, Suas Excelências exerceriam algum tipo de autocontenção. Não é o caso. O Senado, Casa à qual a Constituição dá a prerrogativa de fiscalizar o Supremo, é campeão em arquivamento de bem fundamentados pedidos de impeachments de ministros do Supremo.

O próprio tribunal constitucional já decidiu, por diversas vezes, impedir investigações sobre atividades suspeitas de seus próprios membros, como a decisão de Alexandre de Moraes de suspender as investigações da Receita Federal que envolviam os ministros Gilmar Mendes e a esposa do ministro Dias Toffoli e a decisão de anular a delação do ex-governador Sérgio Cabral (RJ), que acusava Toffoli de vender sentenças, que contou com votos de diversos ministros pela anulação, inclusive o de Dias Toffoli. O tal inquérito das “fake news”, até hoje vigente e absurdamente sem prazo para terminar, nasceu da reação da Corte a uma notícia nada “fake”, segundo defesa da revista Crusoé, que relacionava uma acusação de corrupção, feita em delação premiada por Marcelo Odebrecht, ao então presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

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Toffoli, aliás, foi advogado do PT. Foi indicado por Lula ao Supremo. Zanin, foi advogado de Lula. Apesar de, em debate televisionado ao vivo para todo o Brasil na campanha, o Lula candidato ter dito que não era nem prudente, nem democrático um presidente ter amigos seus como ministros da Suprema Corte, sua primeira indicação como presidente da República para o STF foi do seu próprio advogado – e amigo. O fundo do poço, realmente, é mais embaixo para o PT.

O Senado da República, se fosse uma Casa cuja maioria dos seus membros se guiasse pela Constituição, barraria a indicação. Mais do que isso: o presidente da Casa de Rui Barbosa teria uma séria conversa com o presidente da República anteriormente ao envio do nome do seu indicado para demovê-lo do vexame de fazer proposta tão indecente. Infelizmente, não foi o que ocorreu: a indicação não só foi feita como deve ser aprovada. A impessoalidade como princípio e o notório saber jurídico como critérios constitucionais, às favas! O aparelhamento petista da máquina estatal segue a todo vapor.


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