Editorial
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Gazeta do Povo
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, durante encontro realizado em maio deste ano no Palácio do Planalto em Brasília.| Foto: EFE/Andre Coelho
“Quando eu uso uma palavra, ela significa o que eu desejo que ela signifique, nem mais, nem menos”, dizia Humpty Dumpty, personagem de Alice através do espelho, de Lewis Carroll. Uma ideia que foi desenvolvida por George Orwell com a “novilíngua” de 1984 e que volta à tona graças ao presidente Lula, que, para defender o ditador venezuelano Nicolás Maduro, seu parceiro ideológico, alegou que “democracia é um conceito relativo” durante entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã desta quinta-feira, horas antes de discursar no encontro do Foro de São Paulo, em Brasília.
O recurso, evidentemente, não é nada novo na esquerda, que abusou e ainda abusa do termo “democrático” inclusive nos nomes oficiais de ditaduras comunistas, como ocorrera na República Democrática Alemã (a antiga Alemanha Oriental) ou no Kampuchea Democrático (o Camboja sob o regime genocida do Khmer Vermelho), e ainda ocorre na República Popular Democrática da Coreia, a Coreia do Norte. Chamar ditaduras de democracias não é novidade nem para Lula, que em 2005 dissera que a Venezuela, já sob o jugo de Hugo Chávez, tinha “excesso de democracia”. Mas, infelizmente para o presidente brasileiro, seu poder sobre as palavras não é tão grande quanto ele gostaria que fosse.
Esse tipo de apoio a ditaduras latino-americanas, que já seria um problema por si só, indica também que Lula as enxerga como modelo para o Brasil
Qualquer cientista político que não esteja acometido de grave cegueira ideológica haverá de concordar que não basta a realização periódica de eleições para caracterizar uma democracia; é preciso que elas sejam limpas e livres. Mas não apenas isso: a democracia requer respeito a garantias e liberdades como as de expressão, de imprensa e religiosa; a tripartição de poderes, que funcionam sem relações de interferência ou subordinação, dentro de um sistema de freios e contrapesos; o império da lei, que prevalece sobre a vontade de qualquer detentor de cargo eletivo ou magistrado.
E, se é assim, em democracias dignas deste nome não se perseguem – seja ostensivamente, seja de forma mais sutil – adversários políticos do governo de turno, expurgando-os, cassando seus mandatos ou impedindo-os de participar de eleições de forma arbitrária, contornando a lei e o devido processo legal; não se amordaçam veículos de imprensa que prezam por sua independência e se recusam a se curvar a um governante ou a uma ideologia; não se absorvem os demais poderes, submetidos à hegemonia total do governante; não se desrespeita a liberdade religiosa, usando de todos os meios, de uma Justiça aparelhada a gangues paramilitares, para calar clérigos e banir entidades religiosas. São critérios objetivos que ajudam a avaliar se uma nação é ou não democrática – uma avaliação extremamente simples de se fazer quando se trata de regimes como o venezuelano, o cubano ou o nicaraguense.
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Apesar de tudo isso, também é preciso dizer que Lula, ao fazer declarações como a desta quinta-feira, não surpreende ninguém que não quisesse ser surpreendido. Nem ele, nem seu partido, jamais recuaram em seu apoio entusiasmado a carniceiros como Fidel e Raúl Castro, Hugo Chávez, Maduro ou Daniel Ortega. Mesmo durante a campanha eleitoral, enquanto vendia uma imagem de “democrata” e “moderado” que só foi comprada ou pelos muito incautos ou pelos que se empenharam em adotar uma versão extrema da chamada “suspensão da descrença”, Lula não deixou de prestigiar seus camaradas ideológicos, mostrando no que se tornaria a política externa brasileira assim que ele subisse a rampa do Planalto.
O problema maior, evidentemente, é que esse tipo de apoio a ditaduras latino-americanas, que já seria um problema por si só, indica também que Lula as enxerga como modelo para o Brasil. O “moderado” e “democrata” cujo partido montou esquemas de corrupção para fraudar a democracia brasileira não uma, mas duas vezes não disfarça a alegria de ver seus oponentes e aqueles que aplicaram a lei para colocá-lo na cadeia sendo, aos poucos, afastados da vida política. Enquanto isso, seu governo busca meios de controlar o discurso na imprensa e, especialmente, nas mídias sociais, seja em projetos de lei, seja por meio de órgãos de Estado como o “Ministério da Verdade” instalado dentro da Advocacia-Geral da União e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. No fim, tudo aponta para a certeza de que a atitude lulista em relação à democracia é levar a sério aquilo que Millôr Fernandes dizia como sátira: “democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.
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