Editorial
Por
Gazeta do Povo


Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), concede coletiva ao lado do relator da proposta de reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), à sua esquerda, e de governadores e outros parlamentares.| Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautou para esta quinta-feira a votação em primeiro turno da reforma tributária – a votação, evidentemente, depende de os interessados terem plena certeza de que conseguirão os 308 votos necessários para a aprovação do substitutivo de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) à PEC 45/2019. Algumas resistências estão sendo vencidas, como a do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mas ainda há críticas de setores que temem um aumento de carga tributária, como os de serviços e o agronegócio.

As reclamações são compreensíveis; afinal, em um país no qual a tributação é parte relevante do chamado “custo Brasil”, ninguém pretende ter de entregar ainda mais dinheiro ao governo, seja federal, estadual ou municipal. A indústria tem razão quando alega que os impostos tiram sua competitividade; o setor de serviços tem razão quando alega que é o maior empregador do país e um eventual aumento na tributação pode prejudicar a geração de empregos. No entanto, também é preciso ter em mente que é logicamente impossível levar adiante uma reforma que agrade a todos. Indústria, comércio, serviços, agronegócio, estados e municípios majoritariamente produtores, estados e municípios majoritariamente consumidores, exportadores, importadores, brasileiros mais ricos, brasileiros mais pobres: todos sofrerão de forma desigual os efeitos da reforma tributária. Por isso, é obrigatório que haja regras de transição razoáveis para dar tempo suficiente àqueles que venham a perder arrecadação ou ser mais tributados para que se adaptem à nova realidade; ainda que isso também seja problemático, por retardar a implantação final da reforma, é um preço necessário a se pagar para evitar a desorganização de cadeias produtivas.

O texto atual tem méritos, mas também há muitas arestas a aparar e análises a fazer; as negociações das próximas horas devem servir para que tenhamos uma reforma melhor, ou ao menos que fiquem abertas as portas para aprimoramentos futuros

Que a simplificação é necessária, isso é indiscutível e esta Gazeta do Povo o afirmou inúmeras vezes. O emaranhado tributário nacional, com sua infinidade de impostos e alíquotas, por si só já contribui para fazer do Brasil um inferno para o empreendedor, forçado a gastar, no cumprimento de suas obrigações com o fisco, recursos financeiros e humanos que poderiam estar voltados ao real objetivo da empresa, em vez de serem perdidos na burocracia. Por esse ângulo, pode-se até lamentar que a proposta escolhida para seguir adiante unifique cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS), quando havia propostas que envolviam a unificação de até dez impostos, ou mesmo uma reorganização geral que deixaria o país com apenas três tributos. Mesmo assim, uma unificação parcial ainda é muito melhor que o cenário atual, e descartá-la seria um desses casos em que o ótimo é inimigo do bom. Os desafios são de outra ordem.

O primeiro deles, que levou à mobilização de prefeitos e governadores, é a possibilidade de haver ainda mais centralização dos tributos em Brasília, rumando na direção oposta à necessária em um país cujo pacto federativo já funciona de forma bastante disfuncional. É significativo o fato de esta primeira fase da reforma lidar com impostos cuja arrecadação é majoritariamente feita e direcionada aos entes subnacionais. Boa parte das negociações de última hora tem o objetivo de acertar um mecanismo de funcionamento do conselho federativo – o órgão responsável por administrar e repassar a parte do novo IVA dual destinada aos estados e municípios – que seja mais justo e menos sujeito a ingerências políticas.

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O segundo desafio é, talvez, ainda maior: aproveitar a oportunidade para rever a participação de cada tipo de tributo na arrecadação total. Em termos proporcionais, o Brasil tributa demais a produção e o consumo, e tributa pouco a renda e o patrimônio. E, como já lembramos em diversas ocasiões, os impostos sobre produção e consumo são especialmente injustos com os mais pobres, que pagam o mesmo que os ricos em termos nominais, embora esse valor lhes faça muito mais falta que aos contribuintes mais abastados. Como as alíquotas do novo IVA dual serão definidas apenas posteriormente, até seria possível pensar em porcentagens menores – aliviando, assim, o temor de setores como o de serviços e dando um novo impulso à indústria – desde que os impostos sobre renda e patrimônio também fossem redesenhados dentro do espírito da justiça tributária, na qual cada um é onerado de acordo com suas capacidades. No entanto, esta discussão tem estado ausente dos debates sobre a reforma, e o mais provável é que as novas alíquotas sejam pensadas para que a arrecadação do IVA dual seja equivalente à dos cinco impostos atuais que serão unificados.

A janela de oportunidade atual é inegavelmente a maior que o país já teve para a aprovação de uma reforma tributária. Isso não significa, no entanto, que ela mereça um apoio irrefletido, como se qualquer proposta servisse. O texto atual tem méritos, mas também há muitas arestas a aparar e análises a fazer; as negociações das próximas horas devem servir para que tenhamos uma reforma melhor, ou ao menos que fiquem abertas as portas para aprimoramentos futuros, especialmente os que coloquem o Brasil no caminho de uma tributação mais justa.

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