Ao negar apoio a regimes autocráticos e defender a condenação à agressão da Rússia, o presidente chileno mostra que a esquerda pode ser moderna – o contrário do atraso lulopetista

Por Notas & Informações – Jornal Estadão

MADRID, SPAIN – JULY 15: (L-R) Singer-songwriter Joan Manuel Serrat and the President of the Republic of Chile, Gabriel Boric during the event ‘Chile: memory and future 50 years after the coup d’etat’, at Casa de America, on 15 July, 2023 in Madrid, Spain. Organized by the Embassy of Chile in Spain, this cultural event commemorates the 50th anniversary of the coup d’etat that marked the breakdown of democracy in Chile, ushering in a dictatorship that, in addition to leaving an indelible mark of crimes against humanity, indelibly marked the history of democracy and human rights in Latin America and the entire world. The event was organized by the Embassy of Chile in Spain. (Photo By Jesus Hellin/Europa Press via Getty Images)

Se o presidente do Chile, Gabriel Boric, é o aggiornamento da esquerda latino-americana, Lula da Silva é a obsolescenza. E, ao contrário do que pensa o demiurgo petista, não se trata de uma questão de idade – basta lembrar que o quase nonagenário esquerdista Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, declarou com todas as letras que o regime venezuelano, aquele tratado como democrático por Lula, “é uma ditadura, sim”.

Mas Lula não gosta de novidades. Prefere aferrar-se ao que conhece, à sua antediluviana visão de mundo, nutrindo profunda aversão àqueles que ousam contrariá-lo – especialmente quando esse atrevimento parte de um jovem, como o presidente chileno, de apenas 37 anos.

Neste ano, em duas ocasiões, Boric teve que lembrar ao presidente brasileiro que há limites morais para o apoio a regimes que violentam os princípios mais comezinhos da democracia, do direito e da civilização – aqueles que estão na essência do ideário da esquerda que superou o bolor marxista, caso da social-democracia europeia.

Em maio passado, durante um encontro de líderes sul-americanos convocado por Lula em Brasília, o chileno rejeitou a condescendência do anfitrião às ditaduras de Venezuela, Cuba e Nicarágua e refutou a versão do petista de que Caracas é vítima de uma “narrativa” antidemocrática. “Não é uma construção narrativa. É uma realidade, é séria, e tive a oportunidade de vê-la de perto nos rostos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos”, afirmou Boric.

Nesta semana, na reunião de cúpula da União Europeia e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o chileno isolou-se dos demais líderes da esquerda da América Latina ao considerar apropriada uma condenação à guerra da Rússia contra a Ucrânia na declaração final do encontro. Junto aos europeus, foi voto vencido.

A esta última intervenção de Boric, Lula reagiu de forma arrogante. Aos 77 anos, o petista tentou desqualificar Boric, 40 anos mais moço, não pelos argumentos, mas pela juventude do chileno. Lula disse que o “jovem” Boric estava “ansioso” em razão de sua “falta de costume” em participar de reuniões de cúpula como aquela.

Boric reagiu à grosseria de Lula com a elegância que falta ao petista, dizendo que não se sentiu ofendido e que nutre “respeito infinito e carinho” pelo presidente brasileiro. Talvez inadvertidamente, Boric tratou Lula como um símbolo avoengo ao qual se presta reverência apenas cerimonial, posto que ultrapassado.

Lula vive e respira ainda como se o mundo estivesse dividido entre patrões e empregados, ou entre imperialistas e colonizados, luta existencial que serve para justificar ditaduras como a da Venezuela ou as ações criminosas da Rússia de Vladimir Putin. O que há em comum entre esses países delinquentes, na visão lulopetista, é o fato de que se apresentam como vítimas do “Ocidente”, representação genérica dos Estados Unidos e da Europa ocidental. Como se ainda estivéssemos na guerra fria, Lula considera legítimo que a Rússia invada a Ucrânia ou que Nicolás Maduro encarcere seus opositores se isso for a resposta considerada adequada ao “imperialismo estadunidense”.

Segmentos da esquerda brasileira já foram capazes de reavaliar o papel da social-democracia nas últimas décadas. Rever erros e corrigir rumos é missão de qualquer partido político, principalmente entre os que conduziram e conduzem o Poder Executivo e estão presentes no Legislativo.

Já não existe mais espaço, portanto, para a esquerda repetir slogans caquéticos. O mundo não é mais a zona de confronto latente entre EUA e União Soviética. A pauta do bem-estar social e do combate às desigualdades deixou de ser matéria exclusiva de partidos esquerdistas. A vocação estatizante da economia não se sustenta em uma ordem mundial que requer indicadores elevados de produtividade e de competitividade das empresas e que exige, dos Estados, fundamentos fiscais e monetários sólidos. Lula, por sua senioridade, deveria ter se atualizado. É preciso, porém, que saiba: ainda há tempo, se tiver vontade.

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By valeon