É de interesse da sociedade que Lula e o Centrão se ajustem para formar uma coalizão de governo. Desde que, é claro, o pacto seja firmado em torno de uma agenda virtuosa para o Brasil
Por Notas & Informações – Jornal Estadão
“Geringonça” é como se chama a coalizão de governo em Portugal, desde novembro de 2015, sob a liderança do primeiro-ministro António Costa. Assim é chamada porque congrega um grupo de partidos que, em maior ou menor grau, têm posições ideológicas e projetos para o país distintos entre si. Contudo, malgrado essas diferenças, o semipresidencialismo lusitano tem se provado bem-sucedido. Aqui, a ver se um arranjo político parecido na forma, ora em construção pelo presidente Lula da Silva e próceres do Centrão, em particular o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resultará em ganhos para o Brasil como a “Geringonça” resultou para Portugal, que é o que interessa.
A posse de Celso Sabino como ministro do Turismo deu a feição dessa baralhada, chamemos assim, que Lula quer montar, a exemplo da “Geringonça”, para governar com relativa tranquilidade até 2026. Como se viu, a cerimônia foi um desfile da fina flor do governismo, marca indelével das legendas que compõem o Centrão. Além do União Brasil, partido de Sabino, líderes do PP e do Republicanos, entre outros partidos com interesse em se aproximar do governo, também se fizeram presentes no Palácio do Planalto.
O sucesso dessa, digamos, “Geringonça” à brasileira dependerá da resposta a uma pergunta assaz singela: o que une partidos políticos de posições ideológicas e programáticas tão distintas das do PT como União Brasil, PP ou Republicanos, por exemplo? Trata-se de uma coalizão em torno de um plano de governo que representa consensos mínimos sobre uma agenda virtuosa para o País ou de mera “acomodação dos mais variados interesses privados e setoriais via cofres públicos”, como bem descreveu William Waack, colunista deste jornal, há poucos dias?
Hoje, o governo Lula não tem um rumo bem definido para o País, vale dizer, um plano estratégico que indique aonde o Brasil chegará nos próximos quatro anos. Há platitudes, como “retomar o crescimento”, “recuperar as áreas da saúde e da educação”, “gerar empregos”, etc. Como atingir esses objetivos mantendo a higidez das contas públicas, não se sabe. Lula em pessoa não cansa de acenar para o atraso ao louvar os erros que marcaram governos petistas no passado e ameaçar o País com a sua repetição. Move-se na direção contrária aos avanços legislativos aprovados enquanto o PT esteve fora do poder.
Até aqui, a voz da ponderação quase isolada no governo é a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em geral, têm vindo dele, como um articulador político pragmático, as sinalizações positivas de que algo próximo a um programa de governo bem estruturado, ao menos na seara econômica, que é a que lhe compete, norteia a administração federal.
No outro lado da mesa de negociação para a formação dessa coalizão está o Centrão e sua notória amorfia, uma junção de partidos cujos movimentos se ajustam ao tempo presente e aos interesses de ocasião, seja qual for a orientação política do governo instalado.
É da concertação entre essas duas forças – Lula, com seus 60 milhões de votos, e o Centrão, como grei indispensável para a formação de maiorias no Congresso – que resultará a conformação do governo que levará o País até a próxima eleição geral. Tanto ao Executivo como ao Legislativo interessa essa aproximação, como mostrou Carlos Pereira, também colunista do Estadão, ao tratar das razões que tornam tão difícil a vida dos partidos que se dispõem a ser oposição no Brasil.
À sociedade, em boa medida, também interessa essa aproximação, desde que dela resulte o acordo sobre a aprovação de projetos de interesse do País. Ou seja, desde que a negociação se estabeleça em termos republicanos.
É um grande equívoco condenar, a priori, quaisquer negociações políticas que visam à formação de uma base de apoio congressual ao governo de turno. Esse tipo de troca, ou divisão de poder, é da própria essência da democracia. Afinal, é fácil governar um país à força, sob regime de partido único. Não há conflitos, não há sobre o que transigir. O busílis são os pilares que sustentam essa acomodação.
‘Geringonça’ à brasileira
É de interesse da sociedade que Lula e o Centrão se ajustem para formar uma coalizão de governo. Desde que, é claro, o pacto seja firmado em torno de uma agenda virtuosa para o Brasil
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Por Notas & Informações
07/08/2023 | 03h00
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“Geringonça” é como se chama a coalizão de governo em Portugal, desde novembro de 2015, sob a liderança do primeiro-ministro António Costa. Assim é chamada porque congrega um grupo de partidos que, em maior ou menor grau, têm posições ideológicas e projetos para o país distintos entre si. Contudo, malgrado essas diferenças, o semipresidencialismo lusitano tem se provado bem-sucedido. Aqui, a ver se um arranjo político parecido na forma, ora em construção pelo presidente Lula da Silva e próceres do Centrão, em particular o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), resultará em ganhos para o Brasil como a “Geringonça” resultou para Portugal, que é o que interessa.
A posse de Celso Sabino como ministro do Turismo deu a feição dessa baralhada, chamemos assim, que Lula quer montar, a exemplo da “Geringonça”, para governar com relativa tranquilidade até 2026. Como se viu, a cerimônia foi um desfile da fina flor do governismo, marca indelével das legendas que compõem o Centrão. Além do União Brasil, partido de Sabino, líderes do PP e do Republicanos, entre outros partidos com interesse em se aproximar do governo, também se fizeram presentes no Palácio do Planalto.
O sucesso dessa, digamos, “Geringonça” à brasileira dependerá da resposta a uma pergunta assaz singela: o que une partidos políticos de posições ideológicas e programáticas tão distintas das do PT como União Brasil, PP ou Republicanos, por exemplo? Trata-se de uma coalizão em torno de um plano de governo que representa consensos mínimos sobre uma agenda virtuosa para o País ou de mera “acomodação dos mais variados interesses privados e setoriais via cofres públicos”, como bem descreveu William Waack, colunista deste jornal, há poucos dias?
Hoje, o governo Lula não tem um rumo bem definido para o País, vale dizer, um plano estratégico que indique aonde o Brasil chegará nos próximos quatro anos. Há platitudes, como “retomar o crescimento”, “recuperar as áreas da saúde e da educação”, “gerar empregos”, etc. Como atingir esses objetivos mantendo a higidez das contas públicas, não se sabe. Lula em pessoa não cansa de acenar para o atraso ao louvar os erros que marcaram governos petistas no passado e ameaçar o País com a sua repetição. Move-se na direção contrária aos avanços legislativos aprovados enquanto o PT esteve fora do poder.
Até aqui, a voz da ponderação quase isolada no governo é a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em geral, têm vindo dele, como um articulador político pragmático, as sinalizações positivas de que algo próximo a um programa de governo bem estruturado, ao menos na seara econômica, que é a que lhe compete, norteia a administração federal.
No outro lado da mesa de negociação para a formação dessa coalizão está o Centrão e sua notória amorfia, uma junção de partidos cujos movimentos se ajustam ao tempo presente e aos interesses de ocasião, seja qual for a orientação política do governo instalado.
É da concertação entre essas duas forças – Lula, com seus 60 milhões de votos, e o Centrão, como grei indispensável para a formação de maiorias no Congresso – que resultará a conformação do governo que levará o País até a próxima eleição geral. Tanto ao Executivo como ao Legislativo interessa essa aproximação, como mostrou Carlos Pereira, também colunista do Estadão, ao tratar das razões que tornam tão difícil a vida dos partidos que se dispõem a ser oposição no Brasil.
À sociedade, em boa medida, também interessa essa aproximação, desde que dela resulte o acordo sobre a aprovação de projetos de interesse do País. Ou seja, desde que a negociação se estabeleça em termos republicanos.
É um grande equívoco condenar, a priori, quaisquer negociações políticas que visam à formação de uma base de apoio congressual ao governo de turno. Esse tipo de troca, ou divisão de poder, é da própria essência da democracia. Afinal, é fácil governar um país à força, sob regime de partido único. Não há conflitos, não há sobre o que transigir. O busílis são os pilares que sustentam essa acomodação.