Após desalojar bolsonaristas do conselho de Itaipu, um dos mais cobiçados, e alojar ministros petistas, governo passou a esconder remuneração de conselheiros; indicados ganham R$ 34 mil para uma reunião por bimestre

Por Vinícius Valfré – Jornal Estadão

BRASÍLIA – O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) correu para substituir ao menos 52 membros de conselhos de administração em 14 das principais empresas públicas já no primeiro semestre deste ano. As funções que rendem mais de R$ 30 mil por participação em uma única reunião por mês ou, em alguns casos, por bimestre a petistas e ministros de Estado.

Os conselheiros das empresas públicas recebem entre R$ 2 mil e R$ 34 mil, segundo dados públicos disponíveis. Um dos conselhos mais cobiçados é o de Itaipu. Os indicados pelo governo recebem R$ 34 mil para participar de uma única reunião de dois em dois meses.

O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad; titular da Fazenda tem cargo no conselho de Itaipu
O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad; titular da Fazenda tem cargo no conselho de Itaipu Foto: André Borges/EFE

Para a companhia, Lula designou a secretária de Finanças do PT, Gleide Andrade, e cinco dos 37 ministros: Fernando Haddad (PT), Rui Costa (PT), Alexandre Silveira (PSD), Esther Dweck e Mauro Vieira. O extra se soma, sem descontos, aos salários dos ministros de Estado, hoje em R$ 41,6 mil. Com isso, a remuneração dos ministros chega a R$ 75.600 por mês.

O valor de R$ 34 mil pagos aos conselheiros foi informado pela Itaipu ao Estadão no fim de fevereiro, quando o conselho da empresa ainda era composto por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Com a ascensão dos petistas no Palácio do Planalto e a substituição dos cargos, a empresa passou a esconder a remuneração.

No início deste mês, quando procurada para informar se houve alguma revisão do pagamento pela nova gestão, a companhia, gerida em conjunto com o Paraguai, negou o dado sob o pretexto de obedecer “políticas e princípios de segurança pessoal e patrimonial”. Disse, ainda, que os honorários são fixados “mediante critérios acordados binacionalmente” sendo todos “coerentes com o que se pratica no setor elétrico brasileiro”.

Conselhos são usados para aumentar ganhos de executivos

Pelos conselheiros passam decisões sobre análises financeiras e contábeis, abertura de auditorias e definição de membros para comitês, por exemplo.

A alocação de aliados é usada para garantir o controle dos rumos das companhias pelos governos de ocasião, mas também para solucionar queixas salariais de altos executivos dos ministérios. Embora a remuneração de um ministro seja 30 vezes o salário mínimo, o valor é menor do que eles poderiam perceber na iniciativa privada.

Em média, os “jetons” e honorários de conselheiros são de R$ 4,3 mil extras, segundo as informações disponíveis no Portal da Transparência. Além de Itaipu, o da Embraer está entre os mais “generosos”. Em geral, a única vaga definida pela União é entregue a um oficial da Aeronáutica. A remuneração se aproxima dos R$ 40 mil, mas a empresa não informou o valor exato.

Na Petrobras, o salário dos conselheiros é de R$ 13,2 mil para reuniões ocorridas uma ou duas vezes por mês. Entre os mais baixos, o da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), R$ 2 mil.

Além de obter o controle com indicação de membros dos ministérios, de diferentes escalões, o governo também exerce o controle sobre os conselhos retirando membros. Em abril, o Ministério da Gestão determinou a destituição do conselheiro da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) Manoel Renato Machado Filho, à época representante do extinto Ministério da Economia. O conselho da empresa, controlada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), protestou contra a medida.

“Ciente dessa deliberação, o Conselho registra a profunda preocupação do Conselho de Administração com o número de cadeiras vazias no Conselho desta Companhia e, em função disso, com o eventual prejuízo à continuidade dos trabalhos deste Colegiado”, frisou na ata da reunião.

Número 2 da Saúde de Bolsonaro ganha R$ 3,3 mil em conselho

O coronel da reserva do Exército Elcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde no governo de Jair Bolsonaro (PL), continua na função de conselheiro fiscal da Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) e recebe R$ 3.361,29 para participar de uma reunião por mês.

Nos primeiros seis meses do governo Lula, o militar já recebeu, ao todo, R$ 19,3 mil por participar de nove reuniões – incluindo as extraordinárias – realizadas em Brasília ou Recife. O salário bruto mensal de Elcio Franco na reserva do Exército é de R$ 28.398,48.

O valor do “jeton” que recebe como conselheiro da empresa não inclui o custeio de despesas com passagens e diárias. De janeiro a julho, a União pagou R$ 23,2 mil para arcar com os deslocamentos do militar para as reuniões.

Entre as atribuições do conselho fiscal estão acompanhar a execução patrimonial, financeira e orçamentária da Hemobrás, estatal criada em 2004 para “garantir o fornecimento de medicamentos derivados do sangue ou obtidos por meio de engenharia genética”.

Elcio Franco foi o número 2 do Ministério da Saúde na gestão de Eduardo Pazuello. Ele foi um dos indiciados pela CPI da Covid que atribuiu ao ex-secretário-executivo o crime de improbidade administrativa e o crime de epidemia com morte.

Segundo o relatório final da comissão parlamentar, a cúpula do Ministério da Saúde “não adotou as medidas preventivas adequadas, como o isolamento e o distanciamento social”. Além disso, “optou por dar ênfase ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes”. As ações contribuíram para o “aumento do risco de propagação do novo coronavírus e o aparecimento de uma nova cepa no Brasil”.

Além de ser alvo da CPI, o coronel Elcio Franco também apareceu em investigação como interlocutor de tratativas de golpe sobre golpe Estado. Em mensagens incluídas no inquérito da Operação Venire, o militar sugeriu em dezembro que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estaria “com medo das consequências” de um golpe.

Além de Franco, também é membro do conselho fiscal da Hemobras o coronel George Divério, ex-superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. Ele foi exonerado do cargo em meados de 2021 após denúncias de irregularidades em contratos na superintendência fluminense. Eles estão na Hemobrás desde 2020 e foram reconduzidos no fim de 2022.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que “já deu início ao processo de substituição” de ambos.

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