Disputa envolvendo exploração de petróleo na foz do Amazonas racha governo e Jorge Messias vê “negacionismo jurídico” para cumprir “propósitos políticos”

Por Vera Rosa – Jornal Estadão

BRASÍLIA – As afirmações da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que “não existe conciliação para questão técnica” irritaram a cúpula da Advocacia-Geral da União (AGU). Marina fez o comentário após parecer emitido na terça-feira, 22, pela AGU, que abriu caminho para a Petrobras explorar petróleo na foz do rio AmazonasO assunto virou uma ruidosa disputa dentro do governo Lula.

“Nós não podemos praticar negacionismo jurídico para cumprir propósitos políticos”, disse nesta sexta-feira, 25, o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, cotado para assumir uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nos próximos dias, a Câmara de Conciliação da AGU encaminhará um ofício para os ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, Ibama, Petrobras e outras repartições envolvidas na queda de braço. A ideia, que conta com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é oferecer essa “expertise” para mediar um acordo.

Marina e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, já avisaram, porém, que não aceitam tal mediação. “Não existe conciliação, não existe acordo em licenciamento ambiental. Não é ‘Casas Bahia’”, ironizou Agostinho.

Marina diz que Avaliação Ambiental de Área Sedimentar não é condicionante para Petrobras obter licença e Agostinho (à dir.) rejeita tentativa de acordo
Marina diz que Avaliação Ambiental de Área Sedimentar não é condicionante para Petrobras obter licença e Agostinho (à dir.) rejeita tentativa de acordo Foto: WILTON JUNIOR

O parecer da AGU sobre o processo de licenciamento para a perfuração do bloco 59 – localizado na chamada Margem Equatorial, a 175 quilômetros da foz do Amazonas – recomenda a conciliação entre as partes. A conclusão contrariou o Meio Ambiente, mas a AGU espera agora uma resposta formal sobre sua oferta.

Messias afirmou que é preciso recuperar a política como “espaço nobre” para solução de conflitos. Ao se referir à disputa que opõe o Meio Ambiente e Minas e Energia, o ministro lembrou que o caso tramita na administração pública há pelo menos 11 anos.

O ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, afirma que ninguém tem o "monopólio da verdade" na administração pública
O ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, afirma que ninguém tem o “monopólio da verdade” na administração pública Foto: Evaristo Sa/AFP

“É um exemplo de insegurança jurídica, uma vez que foi um acordo fechado, com ações emitidas em Bolsa. E nós temos um instrumento do próprio Estado para a solução de controvérsias”, disse Messias, ao avaliar que é possível conciliar desenvolvimento e sustentabilidade. “Ninguém do governo tem o monopólio da verdade. A decisão, para ser técnica, precisa ser fundamentada e toda a fundamentação está submetida ao contraditório.”

Na prática, o imbróglio se transformou em cabo de guerra dentro do governo. Lula dará a palavra final. No início deste mês, ao responder a uma pergunta sobre o impasse, o presidente afirmou que quer “continuar sonhando” com a exploração de petróleo na foz do Amazonas.

Ministro de Minas e Energia diz que não pode haver ‘tabus’

A entrada da AGU no caso ocorreu após pedido do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como antecipou o Estadão. “Não pode haver tabus”, insistiu Silveira. “Não existe dicotomia entre meio ambiente e desenvolvimento econômico.”

Em 17 de maio, o Ibama negou pedido da Petrobras para atividade de perfuração marítima na bacia da foz do Rio Amazonas, sob a alegação de que a companhia não conseguiu comprovar a proteção da diversidade biológica e a segurança de comunidades indígenas da região. A Petrobras solicitou a reconsideração da análise, mas o Ibama ainda não respondeu. Agostinho fez questão de destacar que a companhia não vai “furar” a fila nesse processo.

Na terça-feira, 22, a AGU assinalou que a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) não pode inibir o licenciamento para a exploração e produção de petróleo e gás natural no País. Na lista de justificativas do Ibama para rejeitar o pedido da Petrobras estava justamente a necessidade de realização de estudos de caráter estratégico (AAAS) na bacia da foz do Amazonas, entre outras exigências.

Marina vai deixar o governo Lula?

Foi por isso que as afirmações de Marina, após o parecer, causaram estranheza e mal-estar na Advocacia-Geral da União. “A questão da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar é uma ferramenta de planejamento, que ajuda nos processos de licenciamento, na feitura do termo de referência, mas não é condicionante para dar ou não a licença”, observou Marina.

Nos bastidores, integrantes da AGU disseram ao Estadão que Marina desmereceu o trabalho da Advocacia-Geral da União, sem perceber que aquele parecer representava a tentativa de “jogar uma boia” para que o Meio Ambiente fizesse novas exigências de correção de rota à Petrobras.

Estadão apurou que Marina não pretende deixar a equipe de Lula, mesmo se sofrer novo revés, como tudo indica. O presidente, por sua vez, gosta muito dela e não planeja substituí-la.

Há três meses, o Meio Ambiente foi desidratado e perdeu atribuições após votação no Congresso que contou com o peso do Centrão. Marina acha, no entanto, que é preciso resistir dentro do governo. Procurada, a ministra não se manifestou.

Entidades ambientalistas querem agora desencadear uma campanha contra a prospecção de petróleo na foz do Amazonas. No último domingo, 20, um referendo no Equador também foi nessa direção e decidiu que o país deve suspender a exploração de petróleo numa parte da Amazônia, na fronteira com o Peru.

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