História por Notas & Informações • Jornal Estadão
Com os votos de deputados da base do governo e da oposição, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/2023, que amplia a imunidade tributária concedida a igrejas, partidos políticos, sindicatos e instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos. Só a mixórdia de entidades agraciadas pela proposta do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) já demonstra quão desvirtuada é essa PEC.
Quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encaminhou a PEC 5/2023 para deliberação da CCJ, em março passado, este jornal advertiu que a proposta é uma “subversão do princípio fundante desta República, a igualdade de todos perante a lei”, razão pela qual deveria ser rejeitada pelo colegiado (ver o editorial A PEC da exploração da fé, 22/3/2023). Agora, o texto avançou para análise de uma comissão especial antes de ser submetido ao plenário da Casa. O Estadão reitera: a PEC 5/2023 não deve prosperar.
A Constituição impede a cobrança de impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços essenciais prestados por aquelas entidades. A imunidade tributária, particularmente no caso das igrejas, é fundamental para que uma determinada denominação religiosa não seja impedida de professar sua fé simplesmente por falta de dinheiro para arcar com os custos de manutenção de seus locais de culto. Não fosse assim, tratar-se-ia de uma flagrante violação do próprio texto constitucional, que garante a liberdade religiosa no País. Porém, a “PEC da exploração da fé”, como este jornal a designou, vai além do mínimo necessário para a salvaguarda desse direito.
A PEC 5/2023 nada tem a ver com liberdade religiosa nem com pluralismo político, como apregoam seus arautos. O texto deve ser rejeitado pela comissão especial e, caso seja aprovado no colegiado, não deve prosperar no plenário da Câmara porque não passa de uma dissimulação para enriquecer ainda mais algumas dessas denominações ditas religiosas – além de partidos políticos, sindicatos e organizações assistenciais de fachada –, que brotam todos os dias nas esquinas Brasil afora e parecem muito mais interessadas em explorar as finanças de seus fiéis e dos contribuintes do que em oferecer conforto espiritual a todos os que batem às suas portas.
Caso seja promulgada, a PEC 5/2023 estenderá a imunidade tributária das igrejas, partidos políticos e outras entidades para a aquisição de bens e serviços que sejam tidos como “necessários à formação de patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços” – algo que, convenhamos, é muito difícil de aferir. A compra de um carro de luxo ou de um jatinho em nome de uma igreja, por exemplo, pode ser considerada “essencial” para que um líder religioso exerça seu ministério. Se o indivíduo, de fato, estará a caminho de compromissos espirituais ou mundanos a bordo do veículo, só sua consciência vai dizer. O mesmo ocorrerá com dirigentes partidários ou sindicais, que poderão até mesmo pagar contas de serviço mais baratas desde que as vinculem às entidades das quais fazem parte. É um acinte.
A proposta do deputado Crivella, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, é inconstitucional. Todos são iguais perante a lei. Eis o princípio republicano fundamental consagrado no caput do art. 5.º da Lei Maior. Por que um líder religioso poderia adquirir um bem pagando menos imposto do que pagaria qualquer outro cidadão que não esteja à frente de uma igreja? Por que um líder partidário ou sindical pode recolher menos impostos na aquisição de bens e serviços apenas porque ocupa cargo de liderança num partido ou sindicato?
A PEC 5/2023 não deve ir adiante porque estabelece “categorias” distintas de cidadãos no que concerne às suas obrigações tributárias – como, por exemplo, a divisão entre leigos e religiosos. Ademais, a proposta é moralmente inaceitável, pois não se trata de outra coisa senão de uma tentativa canhestra de monetizar a religiosidade do povo brasileiro, que deve ser respeitada e protegida, não explorada.