Jornal Estadão

O governo anunciou que fará uma força-tarefa para dar fim aos cem maiores processos de execução fiscal do País, que envolvem valores da ordem de R$ 180 bilhões. A iniciativa visa a reduzir as disputas judiciais entre o Executivo e o contribuinte, que, ao todo, já teriam ultrapassado o patamar de R$ 5 trilhões.

De acordo com a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, trata-se de um projeto estratégico e de médio e longo prazos, que, mais do que um caráter arrecadatório, tem como objetivo atingir maior justiça fiscal. “O objetivo é recuperar créditos que o contribuinte deveria ter pago e não pagou”, afirmou.

Em entrevista ao Estadão, a procuradora-geral reconheceu que o governo tem sua parcela de culpa na origem desse problema tributário. No passado, segundo ela, a eficiência era medida por “não deixar o processo morrer e levar o assunto até o Supremo Tribunal Federal”. Hoje, segundo ela, o Executivo federal pensa diferente. “Eficiência é brigar pelas grandes teses, levar o contencioso para o Judiciário naquilo que a gente precisa da força da jurisdição, e o que não é a gente desiste”, explicou.

Por um lado, é positivo que o governo tenha renovado sua compreensão sobre as disputas tributárias. De fato, a cultura do setor público incentiva o entrevero infindável. Servidores não apenas não têm autonomia para fazer acordos que deem fim a esses litígios, como ainda podem ser penalizados – e na pessoa física – caso abram mão de receitas em nome da União.

Na lista dos principais processos, por óbvio, estão algumas das maiores companhias do País. A Petrobras lidera a relação das empresas com maiores dívidas tributárias em execução pela União, com R$ 34,9 bilhões. Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Bradesco, Gerdau, Unilever, CSN Mineração, Fibria, Atacadão, Recofarma e Itaúsa completam o rol dos dez maiores contenciosos.

Segundo Anelize Almeida, o governo não incluiu quaisquer valores relacionados a essas disputas nas metas de arrecadação do ano que vem – muito embora o espírito dessa iniciativa se encaixe perfeitamente no plano de recuperação de receitas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda de acordo com a procuradora, a lista considera apenas execuções possíveis de serem cobradas, ou seja, exclui empresas falidas há muitos anos.

A despeito dessa prudência, não há como ignorar o fato de que o governo parece mais otimista do que deveria a respeito de potenciais resultados dessa iniciativa. É de imaginar que a maioria dos processos esteja há anos ocupando os escaninhos da Justiça. Há, portanto, bons motivos para duvidar da disposição dessas empresas em abrir mão de causas bilionárias, defendidas por um dos maiores escritórios de advocacia do País.

Em alguns casos, as teses defendidas por essas empresas para não pagar impostos têm sido vitoriosas, a depender da instância judicial. Em outros, ainda que a derrota seja provável, vale a pena apostar na morosidade da Justiça para adiar despesas. Ao contrário do que diz o ditado popular, nesses processos basta um querer para que ambos briguem.

Um caso em especial será acompanhado com lupa. O eventual aceite da Petrobras nesse tipo de transação certamente contribuiria com a saúde das contas públicas. Também seria visto como uma interferência indesejada da União, em prejuízo dos interesses dos acionistas minoritários da empresa.

Na melhor das hipóteses, o programa servirá para enxugar gelo. A causa de tantos conflitos tributários bilionários não é a má índole de empresas que fazem da sonegação de impostos uma prática contumaz, mas a confusa legislação tributária brasileira, que dá margem a múltiplas interpretações sobre os valores devidos.

Eis, portanto, a importância de o governo trabalhar para aprovar a reforma tributária sobre o consumo, em tramitação no Senado, e preparar as próximas etapas da proposta sobre a renda e a folha de pagamento. Uma legislação simples e clara, aliada a uma atitude menos beligerante do Executivo federal, certamente mataria a maioria desses conflitos ainda no ninho.

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By valeon