História por IDIANA TOMAZELLI • Folha de S. Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) do quinquênio, que concede um adicional remuneratório a juízes, procuradores e defensores, virou instrumento de barganha no Senado em troca do avanço no projeto que combate supersalários no serviço público.
A proposta que busca limitar os penduricalhos usados para burlar o teto remuneratório, hoje em R$ 41.650,92, tem o apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é alvo de uma cobrança cada vez maior por uma reforma administrativa para rever gastos com o funcionalismo.
No entanto, o projeto está parado no Senado e até agora não foi pautado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto aguarda designação de um relator desde agosto de 2021.
Segundo interlocutores, Pacheco tem sinalizado em conversas com parlamentares e membros do Executivo que, para avançar no projeto dos supersalários, é “fundamental” promover também uma “valorização da carreira” no Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria.
A PEC do quinquênio seria a ferramenta para essa valorização. O texto resgata um benefício extinto em 2006 e prevê a concessão de um adicional de 5% do salário a cada cinco anos de serviço. A verba ficaria livre do teto remuneratório e seria concedida a quem já está na carreira e a quem já está aposentado.
O governo Lula é contra sua aprovação, pois a medida poderia gerar um efeito cascata sobre as demais carreiras e também sobre estados e municípios.
Além disso, é justamente o Judiciário um dos que mais contam hoje com penduricalhos para turbinar os salários. A aprovação da PEC acabaria anulando boa parte do efeito esperado com o combate aos supersalários na administração pública.
A PEC chegou a ser pautada no plenário do Senado no fim de 2022, mas teve a votação adiada por falta de consenso e por dúvidas quanto ao seu impacto financeiro. Hoje, ela está arquivada, mas pode voltar a tramitar mediante requerimento de algum senador.
Segundo interlocutores de Pacheco, o raciocínio é que, ao resolver o problema dos supersalários, o Judiciário ficará com espaço disponível em seu Orçamento, que poderia ser usado para promover a reestruturação da carreira.
No fim do ano passado, Pacheco também exercia a Presidência da Casa e defendeu a conjugação da medida com o projeto dos supersalários. “Mais do que um compromisso desta Presidência com o Poder Judiciário em relação a uma matéria de reestruturação de carreira, esse é um compromisso com a Justiça brasileira”, disse em 30 de novembro de 2022.
Segundo ele, a carreira requer “dedicação exclusivíssima”, e a recriação do quinquênio “evita uma distorção” ao permitir remuneração maior para quem está no fim da carreira.
“Nós não podemos, definitivamente, permitir que esta carreira seja aviltada, que ela seja menosprezada, que ela não seja atrativa para aqueles que estejam num banco de escola fazendo a faculdade de direito, como eu já fiz no passado”, afirmou o presidente do Senado na ocasião.
“Essa percepção nós temos que ter, e abolir o discurso fácil de que isso é simplesmente um privilégio, porque nós só estamos cortando os privilégios ao longo dos últimos anos em relação a magistrados, mas estamos deixando de reconhecer aquilo que é de direito deles”, acrescentou.
Ao longo deste ano, o governo Lula tem tentado dialogar com Pacheco sobre a possibilidade de pautar a proposta que combate os supersalários, mas sem deflagrar a retomada da PEC do quinquênio.
Segundo relatos colhidos pela Folha de S.Paulo, a ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação) tratou do tema com Pacheco em reunião realizada para conversar originalmente sobre a PEC que incorpora servidores dos ex-territórios federais aos quadros da União, em meados de setembro. A posição do presidente do Senado, porém, permaneceu a mesma, assim como a do governo.
A esperança do Executivo agora é que, com o envio dos demais projetos de lei que compõem a reforma administrativa do governo Lula, se crie uma mobilização que pressione o Senado a avançar na pauta no bojo dessa agenda. Os técnicos da Gestão têm feito reuniões semanais para discutir as propostas, e seu envio é aguardado para o fim do ano ou início de 2024.
O governo ainda está mapeando os possíveis impactos das propostas para as contas públicas. No entanto, números preliminares dão uma ideia de como a PEC pode anular os efeitos do projeto contra os supersalários.
Um estudo divulgado pelo CLP (Centro de Liderança Pública) afirma que a regulamentação do teto remuneratório do funcionalismo pode gerar uma economia de R$ 3,9 bilhões ao ano. A cifra considera os servidores da União, de estados e municípios que recebem verbas acima do limite.
Apenas no governo federal, a economia seria de R$ 0,9 bilhão ao ano. O governo estima que boa parte disso se concentre no Judiciário, no Legislativo e no MP, pois o chamado “abate teto” já é aplicado com mais rigor no Executivo.
Já a PEC do quinquênio pode gerar um custo adicional de R$ 4,5 bilhões para União, estados e municípios, segundo cálculos feitos por técnicos do governo no ano passado. Uma eventual extensão da benesse a todas as carreiras elevaria o gasto anual a R$ 10 bilhões nas três esferas.
O governo está refinando esses números e planeja fazer um mapeamento mais detalhado, por Poderes e carreiras.
Para isso, a Gestão conta com apoio da SPE (Secretaria de Política Econômica), ligada ao Ministério da Fazenda. A colaboração foi um dos frutos da reunião de Esther Dweck com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), realizada em 5 de setembro.
Após o encontro, feito em meio à pressão do presidente Arthur Lira (PP-AL) por uma reforma administrativa, Haddad defendeu a aprovação da proposta que limita os supersalários.
“Vou citar um exemplo: a lei dos supersalários, uma lei que já foi votada na Câmara, está no Senado e pode disciplinar uma coisa importante de pôr fim a determinados privilégios e significar uma economia robusta para o Estado brasileiro”, disse.
O governo vai criar um grupo de trabalho interministerial para fechar a proposta de reforma administrativa, que inclui não só este projeto, mas também outras mudanças na lei de cotas e no formato dos concursos. Já a PEC da reforma administrativa enviada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) é rejeitada pela atual administração.