História por Notas & Informações • Jornal Estadão

Em recente artigo no Estadão, o economista Pedro Malan chamou a atenção para um falso dilema presente na política nacional, que vê o desenvolvimento social e econômico como fruto exclusivo ou da atuação do Estado ou da sociedade. “Falso o dilema porque é preciso tentar combinar o dinamismo de ambos, Estado e sociedade”, escreveu Pedro Malan (Somos a matéria de que são feitos os sonhos, dia 8/10/2023).

No governo anterior, havia a ideia de que todos os grandes problemas brasileiros eram decorrência da máquina estatal. O Estado seria o grande obstáculo a ser removido. Tal percepção conduziu a muitos equívocos – em primeiro lugar, a um desprezo pelo conhecimento do funcionamento do Estado e dos desafios concretos a serem enfrentados. Prevaleceu uma compreensão distorcida e rigorosamente equivocada de liberalismo, que levou ao oposto do que essa concepção político-filosófica propugna. As soluções dos problemas nacionais já não demandariam estudo, planejamento, discussão e negociação. Não exigiriam conhecimento da realidade. Bastaria “reduzir o tamanho do Estado” para que o País deslanchasse rumo ao desenvolvimento social e econômico.

Nessa visão simplista e irreal das coisas, tudo o que representasse diminuição da presença estatal na vida da sociedade seria, por si só, positivo. Com isso, em vez de uma administração federal atenta aos problemas concretos do País, buscando propor caminhos efetivos, o que se teve foi um governo propagando ideias irrealizáveis – como a privatização de todas as empresas estatais – ou simplesmente nefastas – como o desmonte dos órgãos públicos de fiscalização. Afinal, se tudo o que vem do Estado é equivocado e prejudicial, a própria lei deixa de merecer respeito, para se tornar algo a ser burlado ou simplesmente ignorado.

Exemplo paradigmático desse modo simplista e equivocado de lidar com os problemas nacionais foi o descuido do governo Bolsonaro em relação à educação pública, cujas redes representam mais de 80% do ensino ofertado às crianças e adolescentes. A preocupação do governo estava concentrada na defesa do homeschooling como a grande solução educativa, numa ignorância da própria realidade familiar brasileira.

Felizmente, esse modo binário de enxergar o País – a esfera privada equivalente a positivo, e a pública, a negativo – foi rejeitado nas urnas. A pandemia escancarou os efeitos nocivos de tal obtusidade na administração pública. No entanto, paradoxalmente, o governo atual tem se mostrado incapaz de perceber o equívoco dessa binariedade, como se bastasse inverter os sinais – a esfera pública como sinônimo de virtude, e a privada, de vício e ganância – para a retomada do crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais.

O presidente Lula tem insistido em discursos e movimentos estatizantes, equiparando o aumento da participação estatal ao desenvolvimento social e econômico. Também aqui o conhecimento da realidade parece importar pouco. Não se busca verificar os efeitos de cada medida sobre a população e a economia para, depois, avaliar e definir quais seriam as políticas públicas mais adequadas. Tudo já estaria devidamente carimbado, se favorável ou desfavorável ao interesse público, a depender da relação com o Estado.

Ou seja, a mudança de governo parece não ter sido capaz de livrar o País dessa paralisante disjuntiva, desse falso dilema. Segue enredado numa compreensão irreal a respeito do Estado e da sociedade.

Superar essa visão reducionista, seja qual for a orientação ideológica, é requisito para o desenvolvimento do País. Não há razão para desprezar o dinamismo da sociedade. A promoção do interesse público inclui o fomento de um ambiente de liberdade, no qual, respeitando os limites da lei, os diversos interesses privados possam ser cultivados. Por sua vez, não existe desenvolvimento sem um Estado eficiente, seja para estabelecer e fazer cumprir as regras do jogo, seja para reduzir as desigualdades e cuidar dos mais vulneráveis. O antagonismo entre público e privado faz mal a todos.

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By valeon