História por GUILHERME BOTACINI • Folha de S. Paulo
BOA VISTA , RR (FOLHAPRESS) – A explosão no mais antigo hospital de Gaza e as centenas de mortos resultantes no pouco tempo entre a confirmação da ida de Joe Biden a Israel, na noite de segunda-feira (16), e sua chegada ao país, nesta quarta-feira (18), reflete o momento espinhoso da viagem do presidente americano.
Israelenses e palestinos ainda trocam acusações pelo ataque, mas a magnitude da destruição bastou para que o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, cancelasse sua presença em reunião que teria com Biden na Jordânia. Mais tarde, o encontro como um todo, que teria também o ditador egípcio, Abdel Fatah Al-Sisi, e o rei jordaniano, Abdullah 2º, foi também cancelado pelos anfitriões.
O simbolismo da visita de Biden é o reforço -para o aliado de longa data e para os rivais americanos na região e além- de que a maior potência militar do planeta está do lado de Israel, como mostram os dois grupos de porta-aviões americanos enviados à região e falas do democrata após o ataque do Hamas que iniciou a guerra atual.
“Israel tem o direito de responder e, de fato, tem o dever de responder a esses ataques vis”, afirmou Biden em sua primeira declaração sobre o conflito, quatro dias depois da ofensiva do grupo terrorista.
O Exército israelense prepara uma invasão terrestre na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. Biden não deixa claro se apoia a invasão, mas defende que o grupo terrorista seja varrido do território. O dito e o não dito, portanto, vêm com alguma distância da retórica belicosa de Tel Aviv, e, somado ao cancelamento da reunião com líderes árabes, mostra como a situação política da visita no meio do conflito é espinhosa.
Em entrevista à CBS no domingo (15), o presidente americano avaliou que uma eventual ocupação de Gaza pelos israelenses, à semelhança dos assentamentos já existentes na Cisjordânia, seria um “grande erro” e defendeu a criação de um Estado palestino, como preconizam os Acordos de Paz de Oslo assinados em 1993 nos jardins da Casa Branca, habitada à época por Bill Clinton.
“O que me parece é que a diplomacia americana partiu do princípio equivocado de que os países árabes estariam dispostos a condenar o Hamas independentemente da reação de Israel”, diz Cristina Soreanu Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Biden chega no Oriente Médio em um cenário de muito mal-estar nesta quarta”, afirma.
Isso sem falar nas questões de segurança. Nesta segunda, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, teve de se abrigar por alguns minutos em um bunker junto do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, em Tel Aviv após o soar de alertas de ataque aéreo. Blinken fez turnê pela região, com duas visitas a Israel e reuniões em Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Arábia Saudita e Egito, onde reforçou o discurso de que Washington buscava soluções para questões humanitárias em Gaza.
Até a explosão no hospital al-Ahli Arab, o conflito já havia deixado cerca de 4.500 mortos dos dois lados. A falta de água, comida e medicamentos em Gaza, resultado do cerco total imposto por Israel, acende alertas por diversos órgãos da ONU atuantes no local e coloca mais pressão sobre a tentativa diplomática americana à medida que a tragédia da população civil palestina, vista com muita preocupação no mundo árabe, aumenta.
“É para se questionar se hoje os EUA são vistos como um interlocutor capaz de mediar os diálogos. A visita pode gerar mais tensão do que solução”, analisa Pecequilo.
Esta é a segunda viagem do líder americano a uma zona de guerra, em cenário diferente da primeira vez que foi de surpresa a Kiev declarar seu apoio firme a Volodimir Zelenski às vésperas do aniversário da invasão russa, em fevereiro.
Na ocasião, Biden andou nas ruas da capital ucraniana com Zelenski apesar de alarmes antiaéreos soando pelo país. Além disso, a Ucrânia é uma aliada relativamente recente se comparada aos vínculos de Washington com Tel Aviv, que remontam à própria criação do Estado judeu há 75 anos.
Quando era vice-presidente de Barack Obama, Biden fez diversas visitas a militares americanos em zonas de guerras, no Afeganistão e no Iraque. Só no primeiro mandato, foram ao menos sete viagens ao Iraque, onde os Estados Unidos ainda mantinham grande contingente.
O próprio Obama viajou ao Afeganistão, no primeiro aniversário da morte de Osama bin Laden, em 2012, ano da eleição que o levou ao segundo mandato. A visita gerou acusações da oposição republicana de que o democrata usava o assassinato para amplificar sua campanha.
Desde que Lyndon Johnson foi ao Vietnã em 1966, visitas presidenciais a militares americanos em zonas de conflito pelo mundo viraram uma espécie de tradição.
O republicano Richard Nixon esteve também no Vietnã, em 1969; Jimmy Carter, Ronald Reagan e Donald Trump visitaram a zona desmilitarizada entre a Coreia do Sul e a do Norte; George Bush pai e filho estiveram com militares no Iraque durante seus períodos na Casa Branca e Bill Clinton foi à Bósnia na década de 1990.