História por Notas & Informações • Jornal Estadão
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, não deveria estar em Paris participando de evento privado de inegável caráter político, mas ao menos um dos pontos que levantou em seu discurso de candidato a presidente – como bem classificou, com fina ironia, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, presente ao encontro – é digno de nota: para o ministro do Supremo, “precisamos superar o preconceito que ainda existe no Brasil contra a livre iniciativa e contra o empreendedorismo”. Trata-se, segundo Barroso, de “um vício”: o “imaginário social brasileiro”, disse o ministro, “ainda associa o sucesso empresarial a concessões com favorecimento, obra pública com licitações duvidosas, golpes no mercado financeiro e grandes latifúndios”.
Diagnóstico corretíssimo, em muitos sentidos. E é preciso dizer mais: empreender, no Brasil, chega a ser um ato de heroísmo, ante os inúmeros e variados obstáculos, não só de natureza cultural, como disse o ministro, mas, sobretudo, de caráter estatal. Se o brasileiro tem preconceito contra quem é bem-sucedido nos negócios, isso parece se refletir numa estrutura de Estado voltada para dificultar a vida de quem pretende prosperar gerando empregos e produzindo riquezas.
Tome-se o exemplo do próprio Judiciário que o ministro Barroso ora chefia. Se há algo que turva o ambiente de negócios no Brasil, é definitivamente a insegurança jurídica, não raro proporcionada por decisões voluntaristas de ministros do Supremo que desdizem a jurisprudência do próprio tribunal e podem ser derrubadas mais adiante, a depender dos humores de quem vestir a toga. Não se pode condenar quem fica em dúvida na hora de investir num país com esse histórico de confusão na interpretação das leis.
Mas o cardápio de desafios ao empreendedorismo é muito mais extenso. As dificuldades começam já no registro e no cadastro da empresa e se estendem além da fase de maturação, quando o investimento começa a gerar algum retorno – isso para aquelas empresas que não gastaram toda a sua energia para atender às demandas burocráticas e jurídicas e puderam se concentrar em se manter no mercado.
Não é preciso lembrar que há pelo menos três décadas se discute uma reforma tributária que somente agora avança no Congresso. Nesse processo, os lobbies mais influentes tentam manter e ampliar os privilégios dos grupos que representam, criando vantagens que matam a concorrência e minam a produtividade.
Pesquisa de 2021 do Banco Mundial feita com 190 países colocou o Brasil na vergonhosa 175.ª colocação pelo critério de dificuldade de abrir uma empresa. Expôs, ainda, que as empresas brasileiras consomem 1.493 horas por ano para cumprir com suas obrigações tributárias.
Ainda assim, todos os anos, um incontável número de novos investidores se arrisca no mundo empresarial. Em 2022, por exemplo, foram abertas 3.383.063 novas empresas, de acordo com monitoramento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O mesmo mapa mostra que 1.695.763 fecharam as portas. O total de empresas ativas está em mais de 20 milhões.
É uma gente que, movida por desejos e projetos, acredita no Brasil. Desses milhões de negócios, uma parte significativa é tocada por brasileiros com poucos recursos e muitos sonhos. Nenhuma sociedade contemporânea se desenvolveu e prosperou sem o impulso dos empreendedores. E também, é preciso enfatizar, não houve produção de riqueza sem que o Estado fizesse seu papel – oferecendo infraestrutura, abrindo linhas de crédito e administrando o arcabouço jurídico e burocrático de modo a estimular, e não atrapalhar, os negócios.
Ou seja, o Estado brasileiro deve colaborar para que o empreendedor deixe de ser tratado como inimigo, como um oportunista que se locupleta à custa do dinheiro público, seja por meio da corrupção, seja por meio do favorecimento dos poderosos. Se o sr. Barroso está certo, isto é, se há um “preconceito” dos brasileiros em relação aos empreendedores, é preciso dizer que esse preconceito deriva da falsa percepção de que os empreendedores bem-sucedidos só o são porque têm boas relações com o poder, e não por sua competência. Está na hora de mudar essa mentalidade.