História por Notas & Informações • Jornal Estadão
O presidente Lula da Silva, mais uma vez, não conseguiu ou não quis se esquivar da cobiça do Centrão, em particular do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por recursos e cargos federais. Ao que parece, cedo ou tarde, o que Lira quer, Lira consegue, o que revela uma relação totalmente desequilibrada entre o Legislativo e o Executivo. Até quando? A pergunta, claro, é retórica. Enquanto Lira estiver aboletado na cadeira de presidente da Câmara e, portanto, detiver o poder de definir o rumo da agenda legislativa, é assim que a banda tocará em Brasília.
O alvo da vez foi a presidente da Caixa, Rita Serrano, tida como uma profissional da cota pessoal de Lula. Se esse foi o destino de alguém tão ligado ao presidente da República, outros sem essa proximidade, por mais competentes que sejam, devem se preparar para o pior. Ademais, a demissão da sra. Serrano, a terceira mulher sacrificada por Lula no altar de suas conveniências políticas, revela de uma vez por todas que a paridade de gênero tão vocalizada pelo petista durante a campanha não tinha nada de política pública séria; era só oportunismo eleitoral.
O Centrão não parará por aí. A demanda da hora é toda a direção da Caixa, não só a presidência do banco. Mas amanhã será outra. Eis a dimensão do problema que Lula tem de resolver, pressupondo-se, é claro, que o presidente esteja disposto a isso. Não há no horizonte próximo, isto é, até o fim do mandato de Lira à frente da Câmara, uma linha de corte que se possa vislumbrar como um ponto de equilíbrio nessa relação entre o Legislativo e o Executivo, que não raro chega às raias da chantagem. Não haverá um momento em que o Centrão dar-se-á por satisfeito e, enfim, passará a entregar os votos de que o governo precisa para aprovar projetos de seu interesse sem mais nada em troca.
É verdade que, tão logo foi anunciado o nome do preposto de Lira no comando da Caixa, Carlos Antônio Vieira Fernandes, a Câmara aprovou por folgado placar (323 a 119) o projeto de tributação dos fundos offshore, uma das medidas que o governo considera essenciais para a condução de sua política econômica. Outras matérias importantes, para o governo e para o País, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, também foram aprovadas pelos deputados. Porém, cada aprovação exigiu esforços pontuais do governo. Novas votações, portanto, implicarão novas barganhas, só não se sabem quais.
A razão para esse estado lamentável do que um dia já foi classificado como “presidencialismo de coalizão”, por pior que seja para o País, é relativamente simples de ser entendida: não há um projeto estratégico para o País que una o governo e o Congresso em pontos de consenso sobre os quais dar-se-iam as trocas republicanas entre o Executivo e os parlamentares. Assim são formadas coalizões de governo democráticas, republicanas.
Nada há de imoral na troca de cargos e na abertura de acesso a recursos do Orçamento, em particular por meio de emendas parlamentares, em troca da chamada governabilidade se essa relação não se desvia do interesse público. No entanto, há pouca gente ingênua o bastante no País para achar que todo esse interesse de Lira e seu grupo político em abarrotar de aliados a Caixa, alguns Ministérios, agências reguladoras e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), entre outros órgãos federais, tem alguma coisa remotamente associada ao melhor interesse público. Ora, tudo faz parte de um sistema muito bem montado e gerido para usar essas posições na administração pública como meio de obtenção de poder e recursos financeiros, e não necessariamente para corrupção.
A manipulação eleitoral desses ativos, valiosíssimos, tende a favorecer os que já detêm mandato eletivo, perpetuando os membros do grupo no poder, o que retroalimenta uma engrenagem que se revela como um fim em si mesma. Quando o interesse nacional se coaduna com o interesse desses cupins da República, muito bem; quando não, o País que se dane.