História por admin3 • Revista Planeta
Somos sempre vigiados por estudantes, familiares, colegas de trabalho ou gestores. É como se fôssemos artistas famosos, mas sem o glamour e a remuneração da fama, afirma Thailise Maressa, professora há 15 anos.A vida, de uma forma geral, é cheia de contradições. O paradoxal “Ser ou não ser, eis a questão…”, de Hamlet*, já mostrava que a vida sempre foi permeada de conflitos, e se você é um professor, então, essas contradições fazem ainda mais parte da sua vida e a transformam em um constante dilema.
Tudo começa antes mesmo de você se tornar um educador. Afinal, se você sempre sonhou em lecionar, você é visto como louco e julgam sua escolha como ruim; mas se você nunca pensou em ser professor e acaba na licenciatura, você é um indeciso que não sabia ao certo o que queria da vida e acabou optando pelo caminho “mais fácil”.
Já lecionando, a vida do professor vira um grande dilema em vários sentidos. Se temos práticas de ensino mais tradicionais, somos chamados de ultrapassados, e dizem que não sabemos fazer aulas interessantes por não acompanharmos a modernidade. Mas se somos inovadores e aplicamos metodologias ativas ao ensino, somos acusados de não darmos aula “direito” e de abrirmos espaço para que ela seja uma “bagunça”.
Se somos muito rígidos e exigentes, somos tachados como carrascos e inflexíveis, podendo ganhar, inclusive, haters pela escola. Mas se somos muito acessíveis e compreensíveis, vão nos chamar de permissivos, de “amiguinho” de aluno que não tem o controle da turma e o respeito dos estudantes.
Se somos engajados em causas importantes e propomos aulas que estimulam o senso crítico e o olhar questionador dos estudantes, recebemos o título de doutrinadores. No lado oposto, se não enriquecemos as aulas com temas do cotidiano e não relacionamos o conteúdo trabalhado à vida real, chamam nossas aulas de vazias, sem sentido e sem valor agregado.
Na vida pessoal
Até mesmo a vida para além dos muros da escola tem seus dilemas se você é um professor. Se criamos perfis em redes sociais, vivenciamos grandes impasses: deixar ou não deixar público? Postar ou não postar o que quero? Ser ou não ser o que sou? Somos sempre observados por estudantes, familiares, colegas de trabalho ou gestores em nossas ações. É como se fôssemos artistas famosos, sempre vigiados, mas sem o glamour e a remuneração da fama.
Quando vivemos violências nas escolas, temos de ter uma inteligência emocional de seres altamente evoluídos. Um único gesto mal calculado ou uma reação mais espontânea a uma violência são suficientes para nos tirarem do papel de vítimas e nos estamparem nas capas dos jornais como desequilibrados e uma vergonha para a educação. E não adianta ter tido uma linda caminhada de doação e entrega ao sistema educacional, isso não vai lhe dar imunidade se você cometer alguma falha. Não há anistia se você é professor e comete um erro. Nós somos julgados, punidos, demitidos. Claro que não estou aqui defendendo pagar violência com violência, só estou dizendo que a régua que julga um professor é sempre diferente, pendendo mais para a forca.
Passamos tanto tempo exercendo o papel de educadores, que, muitas vezes, temos dificuldade de nos desvencilhar do “personagem” e acabamos sendo professores 24 horas por dia. Muitas vezes dedicamos mais tempo dando a nossa melhor versão para os filhos dos outros do que para os nossos próprios filhos. Outro impasse vivido por quem ousa ter vida para além da sala de aula.
E assim seguimos, divididos entre o amor e o compromisso com a profissão e a vontade de viver em equilíbrio. Num constante dilema entre descansar no final de semana ou aproveitar o tempo livre para colocar o trabalho em dia.
Vale a pena?
Quando um estudante me pergunta se vale a pena ser professor, eu também vivo uma grande contradição para elaborar a resposta. Por segundos passa um filme na minha mente e eu vejo desvalorização, violências diversas, falta de estrutura, excesso de trabalho. Mas também vejo esperança, emancipação, mudança. E eu lembro que precisamos de mais professores no mundo, e de mais pessoas que ainda acreditam na transformação do nosso país pela educação, pessoas que possam nos ajudar a mudar essa cultura de descaso e de desvalorização.
Apesar de todas essas contradições, a vontade de desabafar as mazelas torna-se menor do que a de exaltar as maravilhas dessa profissão, que, apesar dos desafios e dos paradoxos, também pode proporcionar poder e transformação. Então solto um sonoro: eu amo o que eu faço! E se você acredita na Humanidade e quer lutar por um mundo melhor, seu lugar é na sala de aula sendo professor também.
A vida me fez professora, mas eu amo ainda mais ser aprendiz.
* Hamlet, tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto, escrito por Thailise Maressa, professora há 15 anos e graduada em Letras e Pedagogia pela Universidade de Brasília, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
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