Aprovada a reforma tributária sobre bens e serviços no Senado, País caminha para abandonar um sistema confuso, injusto e regressivo, que onera a produção e penaliza os consumidores
Por Notas & Informações – Jornal Estadão
Em um feito histórico para o País, o Senado aprovou a reforma tributária sobre o consumo. Foram 53 votos a 24, um placar mais apertado do que o governo esperava, mas suficiente para vencer mais uma etapa do processo de extinção de um sistema confuso, injusto e regressivo, que onera investimentos, penaliza os consumidores e é uma enorme fonte de litígio e insegurança jurídica.
Foram muitas as tentativas de mudar um modelo proposto na década de 1960 e que sobreviveu à Constituição de 1988. Por diferentes razões, essas iniciativas nunca conseguiram alcançar o necessário consenso político em torno delas. Enquanto isso, a competitividade da economia despencava perante a de outros países e numerosos regimes diferenciados eram criados para compensar os produtores.
Tais mudanças acabaram por agravar as distorções do sistema tributário e, pior, não geraram os resultados almejados em termos de crescimento e geração de empregos. Foi o esgotamento desse modelo que proporcionou as condições para a aprovação da reforma tributária pelo Senado. “A reforma se impôs porque o Brasil não poderia mais conviver com o atraso”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O texto original da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 era mais ousado do que a redação final que sairá do Congresso. Já de saída, a proposta incorporou boa parte das sugestões da PEC 110/2019, entre as quais a divisão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em um modelo dual, com uma parcela administrada pela União e outra, por Estados e municípios.
O projeto já havia sido desidratado pelos deputados, perdeu um pouco mais de vigor na tramitação no Senado e, muito provavelmente, será mais desbastado na segunda passagem pela Câmara. Seu espírito, no entanto, foi preservado, o que não é pouco.
Com décadas de atraso, o País terá um IVA de base ampla que não mais distingue bens e serviços, unifica tributos federais, estaduais e municipais, deixa de incidir na origem e passa a ser cobrado no destino e acaba com a absurda cumulatividade que drenou a produtividade da indústria.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu que a reforma poderia ser melhor. De zero a dez, deu ao texto final nota 7,5. Foram muitas as concessões que o governo teve de fazer para angariar os votos necessários na Câmara e no Senado – seis delas realizadas na última hora, em plenário. Ampliou-se a lista de setores com direito a tratamento especial e a União teve que aceitar bancar até um novo fundo para contemplar áreas de livre comércio de Estados da Amazônia Ocidental.
Cada uma das benesses concedidas por deputados e senadores deve majorar a alíquota padrão do imposto final, ainda desconhecida. Na última estimativa feita pelo Ministério da Fazenda, calculada antes da votação no plenário do Senado, ela estaria em 27,5%. Assim que a proposta for promulgada, será possível iniciar a contagem dos prazos de transição do novo sistema, quando se espera que os ganhos de produtividade comecem a aparecer na economia.
A reforma não se encerra agora. Sua regulamentação demandará vários projetos de lei complementar que tratarão dos regimes específicos. A tramitação dessas propostas precisará ser acompanhada com rigor. Talvez o maior teste a que a reforma será submetida seja a revisão quinquenal das benesses. A experiência prévia do País prova que os benefícios, uma vez concedidos, são eternamente prorrogados.
Desde o início, sabia-se que não se aprovaria a reforma ideal. Isso não diminui o tamanho da conquista, que não é apenas do governo ou do Congresso, mas de toda a sociedade. Como disse o relator, Eduardo Braga (MDB-AM), o que se viu foi a construção coletiva do texto possível e o respeito à correlação de forças da democracia.
Essas forças eram muitas: deputados e senadores dos mais variados espectros políticos, representantes de setores do agronegócio, da indústria e dos serviços, governadores de Estados com situações muito distintas e prefeitos de pequenos municípios e de grandes capitais. Além da reforma em si, essa união de forças também é algo a celebrar.