História por Notas & Informações  • Jornal Estadão

A Câmara aprovou o marco regulatório das usinas eólicas em alto-mar, conhecidas como offshore. A proposta, que ainda precisa voltar ao Senado, poderia ter sido um bom cartão de visitas para o País na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28). Não foi o caso.

Como se tornou tradição, parlamentares aproveitaram a proposta para nela incluir um festival de jabutis. E, desta vez, perdeu-se todo o pudor. Em um projeto que deveria criar condições para o desenvolvimento de uma energia do futuro, houve espaço para beneficiar até usinas a carvão, fonte-símbolo da Primeira Revolução Industrial.

Se depender dos deputados, o carvão terá sua sobrevivência garantida no País até 2050 – algo que, se tratado em um projeto de lei específico, dificilmente prosperaria. São poucas as usinas a carvão, poucas as regiões produtoras e poucos os parlamentares dispostos a dar sua cara a tapa em defesa de uma fonte tão estigmatizada.

Mas, na ótica do Legislativo, é para isso que existem projetos de lei mais amplos, como o das eólicas offshore. Essas iniciativas acabam por se converter em veículo de distribuição de bondades a todas as fontes e regiões do País.

Muito se fala do carvão, e é fácil bater em uma fonte tão poluente. Mas isso não deveria abafar uma discussão mais ampla: o fato de que foram distribuídos, também, benefícios a eólicas em terra e solares, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e termoelétricas a gás e a hidrogênio verde. Isso deve custar R$ 39 bilhões anuais, segundo a Abrace, associação que reúne os maiores consumidores industriais de energia do País.

Tantas benesses vão encarecer as faturas de energia e os itens produzidos pela indústria nacional. E que fique claro: esses incentivos não são necessários para viabilizar a operação dessa ampla gama de usinas. Servirão, no entanto, para aumentar o lucro dos donos desses empreendimentos à custa da renda do consumidor final.

Enquanto a Câmara dava aval a esse trem da alegria, a cúpula do governo, entre eles o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desfilava em Dubai. Como a proposta recebeu votos favoráveis de 403 deputados, das duas uma: ou a articulação política do governo falhou miseravelmente ou apoiou a proposta nos bastidores.

Não foi a primeira vez que isso ocorreu e nada indica que será a última. Sob Bolsonaro, o Executivo cedeu ao Congresso a prerrogativa de coordenar o planejamento e a expansão do setor elétrico. No caso mais escandaloso, o governo aceitou de bom grado todos os absurdos que o Legislativo exigiu só para poder dizer que privatizou a Eletrobras.

A exemplo das emendas parlamentares, o avanço de cada jabuti incentiva a aprovação do próximo, muitas vezes sem qualquer transparência ou ao menos um debate prévio. É, no entanto, a falta de liderança do Executivo e de uma agenda para o País que cria condições férteis para a atuação fragmentada do Congresso, que, naturalmente, busca atender aos interesses de cada setor e de sua região de olho na próxima eleição. Ao consumidor, cabe apenas pagar a conta dessa festa.

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By valeon