História por dw.com • DW Brasil
Senadores confirmam indicações de Lula para o Supremo Tribunal Federal e Procuradoria-Geral da República (PGR) em votações na Comissão de Constituição de Justiça e no plenário.
Paulo Gonet (esq.), Davi Alcolumbre e Flávio Dino durante sabatina conjunta na CCJ do Senado© Lula Marques/Agência Brasil
O Senado confirmou nesta quarta-feira (13/12), após uma inédita sessão de sabatinas conjuntas, a indicação do ministro da Justiça do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Flávio Dino, para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) e do vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Após dez horas de sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, os dois nomes foram submetidos à votação. Dino recebeu 17 votos a favor e 10 contra. Gonet, por sua vez, foi aprovado por 23 votos contra 4.
Mais tarde, na votação em plenário, Dino recebeu 47 votos a favor e 31 contra, e Gonet, 65 votos favoráveis e 11 contrários.
Sabatina dupla
Parlamentares de oposição se queixaram do formato inédito e tentaram dividir o processo em duas sessões distintas, o que foi negado pelo presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Dino afirmou aos parlamentares que não compareceu ao Senado para “fazer debate político”. “Vim aqui apenas responder ao atendimento dos dois requisitos constitucionais: notório saber jurídico e reputação ilibada.” Ele assegurou que sabe distinguir o papel de juiz do de político, já tendo exercido a magistratura por 12 anos.
O aliado de Lula tem a resistência de parlamentares de oposição em razão de sua atuação na investigação dos atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília e de sua atitude de enfrentamento durante audiências na Câmara dos Deputados. Ele também foi criticado por não ter atendido a todas as convocações dos parlamentares para essas audiências.
Gonet fez um resumo de sua atuação em diferentes funções no Ministério Público Federal (MFP) e lembrou aos parlamentares que trabalhou no gabinete do ex-ministro do STF Francisco Rezek.
Ao ser questionado sobre os limites da liberdade de expressão, ele disse que esse direito não é pleno, e pode ser modelado “de acordo com as circunstâncias”. “O Ministério Público sempre vai procurar preservar todos os direitos fundamentais”, afirmou. “Quando algum deles entra em atrito com outros valores constitucionais, merecem ser ponderados, e saber qual vai ser o predominante em uma determinada situação.”
Gonet afirmou que a atuação do procurador-geral da República deve ser institucional e que o titular do cargo deve ter a coragem de “resistir ao encanto e à sedução de brilhar em determinado instante, de obter adesão efervescente do público num determinado momento”.
Um aliado de Lula no STF
Dino ocupará a vaga no STF deixada pela ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro. Com a aprovação de Dino no Senado, Lula terá na Corte um aliado de primeira mão, notabilizado pelo enfrentamento ao extremismo bolsonarista de 8 de Janeiro, mas também com ampla experiência nos Três Poderes, já que tem no currículo atuações como juiz, parlamentar e governador.
Por outro lado, a indicação do político filiado ao PSB tirou do primeiro escalão um dos rostos mais conhecidos do governo depois do próprio Lula, além de frustrar demandas da sociedade civil que clamam por uma mulher negra no STF. Na primeira indicação para o Supremo durante seu terceiro mandato com presidente, o petista acabou escolhendo seu ex-advogado Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski.
Nascido em 1968, em São Luís (MA), Flávio Dino é filho de um casal de advogados. O pai dele, Sálvio Dino, foi vereador na capital maranhense, deputado estadual e prefeito da cidade de João Lisboa (MA). O atual ministro da Justiça e Segurança Pública foi aprovado no concurso para juiz federal em 1994, cargo que ocupou por 12 anos, até se eleger deputado federal pelo PCdoB.
Dino também foi presidente da Embratur durante o governo Dilma Rousseff, governador do Maranhão por dois mandatos e, em 2022, já pelo PSB, se elegeu senador pelo estado onde nasceu – antes de ser indicado por Lula ao Ministério de Justiça e Segurança Pública.
Esta não será a primeira vez que um Ministro da Justiça é levado ao STF pelo chefe do Executivo. O último exemplo foi de Alexandre de Moraes, hoje no STF, que esteve à frente da pasta no governo Temer. Paulo Brossard (Sarney), Maurício Corrêa (Itamar Franco) e Nelson Jobim (Fernando Henrique Cardoso) tiveram trajetórias semelhantes.
Uma pesquisa do Instituto Quaest indicou que Dino tem a maior popularidade digital entre os ministros do atual governo, alavancada principalmente pelos vídeos de embates com bolsonaristas em sessões de comissões do Congresso. Por outro lado, Dino tem sido alvo de críticas recentes por causa da crise de segurança pública que tem assolado a Bahia, governada pelo petista Jerônimo Rodrigues, e vários outros estados.
Um “conservador raiz” na PGR
O fluminense de 62 anos Paulo Gustavo Gonet Branco ocupará o lugar deixado por Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República.
Ele é doutor em direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UNB) e mestre em direitos humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra.
Ele entrou na PGR em 1987 e ocupa atualmente o cargo de procurador-geral eleitoral interino, já tendo atuado como vice-procurador-geral eleitoral e subprocurador-geral da República.
Lula demorou 62 dias para fazer a indicação, período de escolha mais longo desde a redemocratização do país. Um dos motivos seria a resistência dentro do PT ao nome de Gonet, em razão de seu perfil conservador.
Gonet é um católico praticante que já adotou posturas bastante conservadoras em alguns temas que são caros ao PT e à esquerda.
Em 2009, quando se discutia o uso de embriões para pesquisas científicas, ele escreveu um artigo criticando o direito ao aborto, afirmando que a vida humana existe desde a concepção, e chegou a pedir que o governo agisse com rigidez contra a prática.
Nos anos 1990, Gonet representou o Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte de figuras de oposição à ditadura militar, como os guerrilheiros Carlos Lamarca e Carlos Marighella, a estilista Zuzu Angel e o estudante secundarista Edson Luís. Gonet, porém, foi voto vencido nos julgamentos da Comissão.
O nome dele também chegou a ser cogitado para a PGR no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro através do apoio da deputada federal Bia Kicis (PL-DF), como possível sucessor da procuradora-geral Raquel Dodge.
A deputada bolsonarista, com quem ele estudou, chegou a levá-lo para uma reunião com Bolsonaro, na qual Gonet teria se manifestado contra a criminalização da homofobia. À época, Kicis classificou Gonet de “conservador raiz”.
As alas mais conservadores no Congresso acreditam que Gonet poderá ter um papel relevante ao bloquear pautas progressistas.
A indicação de Gonet teve o apoio de dois de seus futuros colegas na Suprema Corte, o decano Gilmar Mendes – que no passado foi seu sócio no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e Alexandre de Moraes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Moraes acompanhou a atuação de Gonet como vice-procurador-geral eleitoral, quando ele teve papel relevante no processo que resultou na inelegibilidade de Bolsonaro, sendo responsável pelo relatório do MPF que defendia a condenação.