História por Franco Iacomini • Jornal Estadão
“Deus não precisa do seu dinheiro.” Essa é uma frase que se ouve com frequência em grande parte das igrejas evangélicas. Talvez isso até surpreenda uma ou outra pessoa, que não conhece a fé dos reformadores cristãos e tem sido bombardeada com informações sobre a chamada Teologia da Prosperidade, corrente que encara o bem-estar material, expresso em itens como patrimônio e sucesso profissional, como um presente sobrenatural de Deus àqueles que contribuem generosamente.
Deus também não precisa de imunidade tributária. Afinal, trata-se aqui do dono da prata e do ouro (conforme o livro de Ageu 2:8), aquele que, no fim das contas, reinará para sempre sobre o mundo (Apocalipse 11:15, cantado no oratório Messias, de Händel, muito lembrado nesta época que antecede o Natal). Por que, então, se briga tanto pela imunidade tributária das igrejas, alçada recentemente a ponto de atrito entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e os parlamentares que reivindicam o nome de “bancada evangélica”?
A ampliação da imunidade tributária é tema da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/2023, redigida pelo deputado Marcelo Crivella – cujo mandato está sub judice, enquanto aguarda julgamento de recurso contra sua cassação por abuso de poder político na eleição de 2020, que o deixou inelegível por oito anos. Está em análise em uma comissão especial da Câmara, que deverá realizar uma série de audiências públicas para discussão do tema, a pedido do relator da peça na comissão especial, deputado Fernando Máximo (União-RO). A primeira audiência ocorreu no dia 12.
Ampliação da imunidade tributária às igrejas é tema da Proposta de Emenda à Constituição em discussão no Congresso Foto: Gabriela Biló/Estadão© Fornecido por Estadão
A imunidade já existente se estende sobre patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais de organizações religiosas. Conforme a Escola Nacional de Administração Pública (vinculada ao Ministério do Planejamento), ela é “uma condição natural do Estado laico, pois sem a imunidade tributária sobre os templos haveria exercício de poder econômico do Estado sobre a religião e, consequentemente, estaria a imiscuir-se em esfera que não lhe diz respeito”. Ou seja, deixar de cobrar impostos não é uma benesse do poder público ao segmento religioso, mas uma garantia de que ambos são esferas distintas da vida social e não podem se misturar.
Há, ainda, um elemento de tradição. No passado, o Estado não tinha condições de fornecer alguns serviços, como educação e saúde, e igrejas assumiram muitas tarefas. Ao isentá-las da obrigação de pagar impostos, confessava sua incapacidade e compensava aqueles que exerciam funções típicas do Estado – em geral, era a Igreja Católica quem o fazia; a presença evangélica era pequena, mas teve grande participação na erradicação do analfabetismo, ao estimular as pessoas a ler a Bíblia. Além disso, a legislação também reconhece que essas organizações são financiadas por contribuições voluntárias de seus membros. A lei brasileira garante a mesma imunidade a partidos políticos e sindicatos.
Pela PEC, já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a imunidade passaria a atingir a aquisição de bens e serviços necessários à formação desse patrimônio. Assim, tudo indica que essas instituições deixariam de pagar, por exemplo, impostos em compras de material de construção. Vale lembrar, a proposta é para todas as organizações religiosas, de todas as denominações, cristãs e não cristãs.
Mas perceba a instrução dada por Jesus no evangelho de Mateus 17:27, na ocasião em que Pedro vem questioná-lo a respeito do que fazer quando eles foram cobrados sobre o pagamento de imposto: “Mas nós não queremos ofender essa gente. Por isso vá até o lago, jogue o anzol e puxe o primeiro peixe que você fisgar. Na boca dele você encontrará uma moeda. Então vá e pague com ela o meu imposto e o seu.” Ou seja: Jesus pagou imposto.
Se estão fazendo seu trabalho direito, o que as igrejas precisam será providenciado – se for o caso, com dinheiro saído da barriga do peixe. Se não estão, não há PEC capaz de salvá-las./Jornalista do ‘Estadão’, mestre em Teologia e doutor em Comunicação e Linguagens