História por Notas & Informações • Jornal Estadão
A campanha “O Brasil é um só povo”, lançada em rede nacional no dia 10/12, poderia ser um exemplo de que, finalmente, o governo do presidente Lula da Silva compreendeu a natureza das divisões instaladas no País – e suas feridas não cicatrizadas na população. Afinal, a superação desse conflito foi uma das promessas de campanha de Lula, aquele que, uma vez eleito, fez da expressão “união e reconstrução” o slogan de seu governo. Mas seria demais esperar que esse fosse mesmo um compromisso sério de Lula e do PT, que desde sempre estimularam a divisão dos brasileiros, numa odiosa luta de classes. A campanha institucional lançada agora, na verdade, tem objetivos muito específicos, nenhum relacionado à pacificação nacional e todos condizentes com os interesses eleitorais do lulopetismo.
Segundo a Secretaria de Comunicação Social (Secom), o objetivo da campanha é transmitir mensagens “de paz” e “reconstrução de laços”, além de reforçar relações familiares e de amizade. O foco evidente é reduzir os efeitos da polarização e da radicalização que tanto mal causaram ao ambiente democrático brasileiro – uma anomalia que saiu dos debates políticos e partidários para as rodas de conversa, os grupos de WhatsApp e os jantares familiares, influenciando as decisões dos cidadãos em todos os níveis de relacionamento.
As intenções da campanha, portanto, são louváveis. O problema está nos detalhes – que, como se sabe, é onde mora o diabo. O evento que o ministro da Secom, Paulo Pimenta, escolheu para anunciar a campanha foi, pasmem, a Conferência Eleitoral do PT, reunião destinada a discutir a estratégia de comunicação do partido para as eleições no ano que vem. Deduz-se que o ministro Pimenta entende que a campanha oficial do governo se insere na estratégia do partido do presidente Lula, numa deplorável confusão de interesses. Para que não houvesse dúvida, Pimenta declarou, na ocasião, que a tarefa do partido é atrair “quem não votou no Lula” e, para isso, é necessário “diminuir o ambiente de intolerância”. Ou seja, “pacificar” o Brasil deixou de ser um objetivo cívico para se tornar mote eleitoral petista: o País deve se unir, sim, mas em torno de Lula.
Ademais, não parece haver interesse nenhum da nomenklatura petista em arrefecer de fato os ânimos. O próprio Lula da Silva, no já citado evento do partido, deu o tom: “Vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando as eleições nos municípios. Nós sabemos que (vocês) não podem aceitar provocações, não podem ficar com medo, não podem enfiar o rabo no meio das pernas. Quando um cachorro late para a gente, a gente late também”.
Por fim, mas não menos relevante, a campanha oficial do governo atende a outro interesse crucial do lulopetismo, que é a necessidade de aproximação com os evangélicos, fatia da população que tem se inclinado à direita nos últimos tempos e que, em larga medida, se alinhou ao bolsonarismo, sobretudo quando se trata de temas como aborto, drogas e família. Não à toa, as peças da campanha são embaladas por músicas entoadas por um cantor gospel e por personagens dando “glórias a Deus” por programas sociais do governo federal. Por puro e simples preconceito, talvez por sua origem católica, o PT, a bem da verdade, nunca se interessou pelo diálogo efetivo com o mundo evangélico. Agora, de olho em 2024, inspirado pelo temor da derrota e estimulado pela conveniência, o governo recorre à propaganda para tentar conquistar parte desse eleitorado.
A campanha “O Brasil é um só povo” é, portanto, menos uma carta de intenções em favor da união dos brasileiros, da construção de pontes e da promoção do entendimento, e muito mais um repositório de mensagens a serem usadas com intenções meramente eleitorais. A campanha não pretende explorar a comunicação para melhorar o debate, estimular diálogos e efetivamente pacificar o País. No máximo, quer unificá-lo em favor de Lula e do PT.