História por PEDRO LOVISI  • Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no país aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (22) obriga donos de veículos automotores a comprarem créditos de carbono para compensar as emissões de gases de efeito estufa de seus veículos.

A legislação ainda precisa ser discutida no Senado, mas se for aprovada desta forma, englobará proprietários de carros, caminhões e motocicletas.

O trecho foi incluído no relatório durante as discussões no plenário que antecederam a votação do projeto. A emenda veio do deputado Marangoni (União Brasil-SP) e foi acatada pelo relator da proposta, Aliel Machado (PV-PR).

O artigo diz que caberá aos órgãos estaduais de trânsito a regulamentação desse sistema. Ou seja, nesse caso os Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito) precisarão estipular limites de emissões para cada um dos modelos de automóvel, e aqueles motoristas que não conseguirem cumprir suas obrigações precisarão comprar créditos de carbono.

Esses créditos são gerados a partir de projetos de redução de desmatamento ou restauração florestal. Assim, a cada tonelada de carbono que deixou de ser emitida é gerado um crédito. Geralmente, esses projetos são desenvolvidos por grandes empresas.

Não está certo, porém, quais serão as penalidades para aqueles motoristas que não compensarem as emissões de seus veículos. A cobrança, segundo a proposta, começará a valer no mesmo ano em que o texto entrar em vigor.

“Fui surpreendido com essa emenda de última hora, me pareceu bem estranha. Foi tipo um jabuti, porque a gente não viu isso em nenhuma discussão; não teve nada parecido com isso”, diz Antonio Reis, sócio de direito ambiental e mudanças climáticas do escritório Mattos Filho.

“Está me parecendo uma necessidade de forçar a demanda de crédito na ponta”, completa o especialista.

Em outubro, o Senado aprovou um projeto que também regulamenta o mercado de carbono no país. O texto, porém, não trazia essa obrigação.

Analistas avaliam ser praticamente impossível colocar esse modelo em prática. Isso porque a quantidade de carbono emitida na atmosfera depende não só do modelo de cada veículo, mas também da frequência que cada motorista dirige.

“Isso é totalmente surreal. Você imagina que para cada carro que existe no país, vai ter que ter uma aferição de quantas emissões foram produzidas. E isso, claro, depende de quanto o motorista dirige, se é uma pessoa que dirige só no fim de semana ou se é uma pessoa que usa o carro todos os dias”, afirma Tatiana Falcão, consultora em tributação ambiental.

“Você vai ter que levar em conta o tipo do carro e, se for um carro híbrido, você vai precisar saber se a pessoa coloca mais álcool, mais gasolina ou algum outro biocombustível. Do ponto de vista prático, isso é absolutamente impossível”, diz ela.

É incerto se a norma valerá para veículos elétricos, já que eles não emitem carbono diretamente. Hoje, no Brasil, há cerca de 38 milhões de automóveis, sendo 84% deles do modelo flex, ou seja, que funcionam a gasolina ou etanol, combustível menos poluente.

Há aparentes contradições entre esse trecho e o restante do projeto. Isso porque um dos primeiros artigos da proposta diz que caberá exclusivamente à União o estabelecimento de limites de emissão de carbono aos setores regulados. No caso dos veículos, porém, essa responsabilidade ficaria com os órgãos estaduais.

O projeto que regula o mercado de carbono foi aprovado nesta quinta, mais de dois meses após o Senado concluir a votação de proposta semelhante. A intenção inicial do governo federal e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era aprovar a matéria até o início da COP28, em 30 de novembro, mas seguidas divergências atrasaram a tramitação.

Em geral, o mercado regulado de carbono estipula limites de emissões de gases de efeito estufa para as empresas, que precisarão entregar relatórios de emissões ao órgão gestor, ligado ao governo central. Aquelas companhias que não cumprirem suas metas poderão sofrer penas, como multas.

O projeto determina que estarão sujeitas ao mercado regulado todas as empresas que emitem mais de 10 mil toneladas de carbono por ano. Já os limites de emissões serão estipulados às companhias que emitirem mais do que 25 mil toneladas.

No caso das empresas de gestão de resíduos sólidos, serão estipulados outros pisos, e a agropecuária, assim como no projeto aprovado no Senado, não entrará no mercado de carbono ao menos neste momento, pois ficou de fora das duas propostas.

Este último ponto, aliás, é um dos mais divergentes. Ambientalistas cobravam a inserção do agro na matéria, por se tratar do setor que mais emite gases de efeito estufa no país, se incluídas em seus dados as emissões relacionadas ao desmatamento.

O setor, por outro lado, alega que não há hoje metodologias capazes de aferir o saldo de suas emissões.

Durante a discussão no plenário, o PSOL apresentou um destaque que excluiria do relatório o trecho que retira o agro do mercado. A proposta, porém, foi rejeitada.

Ainda antes da aprovação do PL do carbono na Câmara, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, com mais de 350 representantes dos setores privado e financeiro, academias e sociedade civil, divulgou nota pedindo o adiamento da votação.

Entre as razões, estava o que chamava de falta de diálogo com a sociedade civil e a não inserção do agro no texto.

O relator do texto na Câmara, Aliel Machado (PV-PR), chegou a fazer uma proposta para incluir o agronegócio dentro do mercado regulado, contemplando o setor com uma série de condições especiais e um período maior para se adaptar às novas regras, mas não houve acordo.

Durante a sessão, o deputado argumentou que o projeto foi amplamente debatido, e tentou se defender das críticas. “O projeto vem sendo discutido há muito tempo. Nós tivemos mais de 200 reuniões. Todos os setores que nos procuraram tiveram audiências”, disse.

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By valeon