História por VINICIUS SASSINE  • Folha de S. Paulo

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Quase um ano após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter considerado, em visita a Boa Vista, que a situação era desumana, a Casai (Casa de Saúde Indígena) Yanomami segue funcionando como um hospital improvisado e com lotação acima de sua capacidade.

A declaração de emergência em saúde pública ocorreu em 20 de janeiro de 2023. Lula foi a Boa Vista no dia seguinte, ocasião em que fez uma visita à Casai. Ele prometeu que equipes médicas chegariam às aldeias no território, para evitar o transporte de yanomamis e parentes à cidade, em busca de tratamento.

“Se alguém me contasse que aqui em Roraima tinha pessoas sendo tratadas de forma desumana, como vi o povo yanomami ser tratado aqui, eu não acreditaria”, disse o presidente na ocasião.

“Uma das formas de resolver isso é montar plantão da saúde nas aldeias, para que a gente possa cuidar deles lá. Fica mais fácil a gente transportar dez médicos do que transportar 200 índios”, completou.

As remoções são feitas em voos que duram de uma a duas horas. Os aviões são custeados pela Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde.

A promessa ainda está longe de uma efetividade. A Casai segue com mais pessoas do que vagas existentes. Até terça-feira (9), quando a reportagem da Folha esteve no espaço, havia 276 pacientes e 310 acompanhantes, num total de 586 indígenas. A capacidade da Casai é de 442 redes e 16 leitos.

A unidade continua operando como um hospital improvisado, enquanto sua função inicial é servir como uma casa de passagem e acolhimento para os indígenas e familiares que precisam de atendimento na rede hospitalar em Boa Vista.

No auge da crise humanitária, quase 900 yanomamis ficavam na Casai, parte deles por meses, sem retornar ao território tradicional. No momento da visita de Lula, quase um ano atrás, havia uma ocupação de mais de 700 indígenas.

No local, um dos principais fluxos de indígenas é proveniente da região de Auaris. O espaço deveria ser apenas uma casa de acolhimento e passagem, mas faz atendimentos médicos e internações.

Galpões são estruturados para abrigar os indígenas, divididos por regiões. O de Auaris era um dos mais lotados na terça.

“O garimpo voltou com tudo e, com isso, a malária voltou com tudo”, afirma a médica ginecologista Ana Paula Pina, que atua no DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami. “Há mães desnutridas crônicas. E a maioria das internações é de crianças desnutridas e com malária.”

No polo base em Auaris, dentro do território, profissionais de saúde encontram dificuldades em administrar a suplementação alimentar nos casos de desnutrição. Mesmo assim, as sete crianças com desnutrição não necessitariam de transferência para Boa Vista, segundo o diagnóstico feito no dia da visita de uma comitiva de ministros, na quarta (10).

“A gente está muito ciente de que [a crise] está longe de terminar, está longe para se libertar o território”, disse a ministra Sônia Guajajara, na reunião feita com lideranças em Auaris. “Sabemos que há invasores, que o que fica é a parte criminosa.”

A Casai ainda é um espaço em que se veem crianças com desnutrição, algumas em estado mais crítico. Já não há a enorme superlotação do auge da crise humanitária, e os espaços estão mais organizados, com melhor infraestrutura e mais leitos. Mesmo assim, há longas permanências, ocupação acima do disponível e improvisação do espaço como um hospital.

Há um déficit de profissionais de saúde. Um dos profissionais da Casai resumiu a situação dizendo que o buraco é muito fundo, com todos trabalhando, mas o trabalho não parece fazer efeito.

Nos últimos 40 dias, nove crianças com desnutrição grave precisaram deixar a Casai para internação no Hospital da Criança Santo Antônio, unidade da rede de saúde do município de Boa Vista. A fome leva a outras doenças, como diarreia e pneumonia.

Médicos com atuação no hospital improvisado dizem ter se deparado com crianças com malárias sucessivas. Uma delas já teve sete malárias, o que provocou danos ao fígado.

Na Casai, indígenas que deixam o Hospital da Criança prosseguem com o tratamento para a desnutrição, por meio de uma suplementação alimentar. As complicações decorrentes da desnutrição também são tratadas pelas equipes no espaço. Muitas vezes, é necessário retornar ao hospital, diante do agravamento dos casos.

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