Análise da corte expõe fragilidades do Orçamento e aponta inconsistências estruturais do arcabouço fiscal para cumprir objetivo de conter trajetória de crescimento da dívida pública
Por Notas & Informações – Jornal Estdão
O Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou as receitas e despesas do Orçamento deste ano e calculou que, na melhor das hipóteses, o governo conseguirá alcançar um déficit primário de R$ 55,3 bilhões. De acordo com a Corte de Contas, a peça conta com receitas muito otimistas e estimativas de economia de despesas que não parecem viáveis. Para cumprir a meta de zerar o déficit neste ano, portanto, o governo teria de contingenciar gastos acima do limite de R$ 23 bilhões.
Questionada, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que sua pasta elaborou o Orçamento com base nas projeções de receitas apresentadas pelo Ministério da Fazenda em julho do ano passado – cálculos que foram checados e considerados plausíveis pelos técnicos. Já o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o Orçamento está equilibrado e manifestou confiança de que o governo vai conseguir cumprir a meta.
Independentemente do discurso oficial do governo, o relatório do TCU, aprovado pelo plenário de ministros nesta semana, traz detalhes que mostram que o ceticismo generalizado dos analistas em torno da meta não tem nada de desarrazoado.
Para este ano, o governo espera uma arrecadação da ordem de 19,2% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar muito acima do observado nos últimos anos. No ano passado, as receitas atingiram cerca de 17,8% do PIB. Para ter uma ideia do tamanho do otimismo do governo, desde 1997 somente uma vez as receitas superaram essa marca e atingiram 20,2% do PIB – e isso no ano de 2010, quando a economia crescia a 7,5%.
Os problemas do Orçamento vão muito além da renúncia com a desoneração da folha de pagamento para alguns setores da economia, que ensejou a edição de uma desastrada medida provisória após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso. Há também incertezas sobre a metodologia que o governo usou para estimar a arrecadação que terá com a tributação dos fundos de alta renda, uma vez que o projeto original sofreu alterações ao ser aprovado pelo Legislativo.
Não se sabe como o Executivo pretende economizar R$ 12,5 bilhões na revisão de benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mesmo porque há um estoque de mais de 1 milhão de pedidos de aposentadoria a serem analisados. De forma elegante, o TCU disse apenas que não foi possível chegar a conclusões sobre “a viabilidade, a razoabilidade e a factibilidade do valor estimado” – que, tudo indica, não passa de delírio.
A principal preocupação do TCU, no entanto, diz respeito aos pilares do próprio arcabouço fiscal. Para o tribunal, o governo terá necessariamente de rever para baixo o aumento das despesas primárias se quiser garantir a sustentabilidade da dívida líquida do setor público nos próximos dez anos.
O atingimento das metas, afinal, não é o objetivo final do arcabouço, mas um instrumento para conter a curva de crescimento da dívida e conduzi-la à estabilidade – e, se isso não acontecer ainda que as metas sejam atingidas, é porque há um problema estrutural na concepção do arcabouço.
A análise do tribunal também deixa claro o quanto as convicções perdulárias do presidente Lula da Silva e da maioria dos membros de seu partido são contraproducentes. Adotar uma política fiscal mais austera não é um objetivo em si mesmo, mas a melhor maneira de contribuir para o controle da inflação, para a redução dos juros e para o crescimento sustentável da economia.
“O reiterado desequilíbrio das contas públicas e o consequente crescimento/descontrole da dívida se revertem em pressão inflacionária e na necessidade de manutenção de patamar elevado de taxa de juros reais, fatores que constituem elevado ônus para a sociedade como um todo e, em especial, para as classes menos favorecidas”, afirmou o TCU.
Na ânsia de promover o crescimento a qualquer custo, mesmo que efêmero, parte do governo se opõe a qualquer iniciativa que promova um controle mínimo de gastos e trabalha para desidratar um arcabouço que já nasceu frouxo. Ao fim e ao cabo, boicotam a si mesmos.