Categorias do Judiciário possuem ‘chave do cofre’, enquanto outros servidores não
Por Laura Karpuska – Jornal Estadão
É comum ouvir que o alto salário no Judiciário se justifica pelo alto nível requerido pelos cargos. “Miserê”, “humilhados e agachados”, são alguns relatos de servidores do alto escalão sobre seus salários. “Eu poderia ganhar muito mais em um escritório de advocacia”, bradou um conhecido em uma conversa sobre os supersalários do Judiciário no Brasil.
Os salários do Judiciário trazem um incômodo para os funcionários públicos e para a população em geral. Esta semana o STF vai decidir sobre teto salarial das universidades públicas paulistas USP, Unicamp e Unesp. Os docentes destas universidades recebem hoje até R$ 44.008,52, que é o teto federal. Se a medida cautelar que foi deferida em 2020 não for acatada pelo STF, os salários dos professores cairiam para o limite estadual de R$ 34.572. A medida deve impactar pouco professores contratados nos últimos anos – que raramente atingem o teto estadual. O debate chama a atenção porque os penduricalhos do Judiciário não estão sendo, e nunca são, debatidos. Há um conflito de interesses inerente ao deixar nas mãos do próprio Judiciário este debate. Nem todos os servidores públicos possuem acesso às chaves do cofre.
Em entrevista para a rádio Eldorado, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse que pretende se reunir com representantes do Legislativo para fazer uma proposta de reforma administrativa. Esther afirmou que é preciso definir o que entra, ou não entra, no teto salarial do funcionalismo e que é preciso uniformizar o teto entre os servidores.
Eu adicionaria que qualquer reforma, ou apenas fazer valer regulações já existentes, deveria ter como princípio fundamental um Estado não indutor de desigualdades. Em 2021 escrevi uma coluna intitulada exatamente Estado indutor de desigualdade. Nela, deixei um exemplo que é sempre útil e replico aqui. No TJSP, juízes têm direito a garrafinhas de água. A “serventia”, como são chamados os outros funcionários, não. Na ocasião, descrevi o fato como uma das “pequenezas que se amontoam e escancaram o Estado como indutor de desigualdade por convicção”.
Todos os salários debatidos aqui nesta coluna são, claro, muito maiores do que a média de salário dos trabalhadores no Brasil, que não chega a R$ 3 mil mensais. O debate explicita este conflito de interesses entre servidores públicos e as benesses do Judiciário. Mas, além disso, escancara uma escolha social. O Brasil escolhe ser um país de burocratas, não de intelectuais ou cientistas.