Presidente é alvo de pedido de impedimento assinado por deputados federais de oposição após comparar ação israelense contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto

Por Rayanderson Guerra – Jornal Estadão

RIO – Alvo de críticas após comparar a operação israelense contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza, com milhares de mortes de palestinos inocentes, com o extermínio de judeus feito pelo líder da Alemanha NazistaAdolf Hitler, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ser responsabilizado politicamente pela declaração caso o pedido de impeachment costurado pela oposição ao petista avance no Congresso.

A movimentação política de deputados que fazem oposição ao governo federal, no entanto, não se sustenta juridicamente, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Advogados e juristas não veem no pedido dos parlamentares fundamentos que se enquadrem na Lei 1.079, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento de impeachment.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa na Etiópia
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa na Etiópia Foto: Stringer/Reuters

De acordo com o pedido redigido pela oposição, Lula teria infringido o artigo quinto da Lei do Impeachment que classifica como crime de responsabilidade “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”.

Os parlamentares dizem que a afirmação de Lula é “injustificável, leviana e absurda”. “É uma afronta aos judeus, aos descendentes do horror do nazismo e algo que só fomenta o crescimento do antissemitismo no Brasil”, diz o texto.

Para o especialista em Direito Eleitoral Alberto Rollo, apesar de “desastrosa”, “infeliz” e “ignorante”, a declaração do presidente não se enquadra como crime. Segundo Rollo, não há fundamento jurídico no pedido e o texto só deve avançar no Congresso em caso de perda de sustentação política do presidente.

“A pessoa comete o crime quando ela pratica os verbos que estão descritos na lei. É assim que a gente analisa juridicamente. No artigo quinto está “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira”. Ele (Lula) foi infeliz na fala, foi desastroso, mas isso não chega a ser uma hostilidade. O presidente foi deselegante. É uma opinião errada, seja por ignorância ou por desconhecimento da história. Entendo que ato de hostilidade é você praticar alguma ação na prática, uma provocação, uma ameaça…”, disse Alberto Rollo.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel Foto: Ohad Zwigenberg/EFE

Em resposta à fala de Lula, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que “comparar Israel ao Holocausto nazista e Hitler é cruzar uma linha vermelha”. “As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e sérias. São sobre banalizar o Holocausto e tentar ferir o povo judeu e o direito israelense de se defender.”

Outro trecho do artigo da lei usado como base do pedido de impeachment cita a responsabilização por expor a “República ao perigo da guerra” ou por “comprometer a neutralidade”. Para o advogado Alberto Rollo, as declarações de Lula também não se enquadram na lei.

“O Netanyahu (primeiro-ministro de Israel) declarou Lula persona non grata, mas não há uma sinalização ou discussão de que ele vá se voltar belicamente contra o Brasil, declarar guerra. O terceiro item, sobre o comprometimento da neutralidade, não há ações práticas por parte do presidente, é uma opinião”, disse.

Já o doutor em Direito Constitucional Acacio Miranda enfatiza o caráter político do processo de impeachment e sustenta que, no momento, “não há vontade política”.

“O pedido de impeachment é, pela sua própria natureza, um julgamento político. De nada adianta termos a subsunção do fato à norma, se não houver vontade política. Sobre o prisma jurídico, é possível relacionar. Como o impeachment depende de um julgamento político, não há vontade política. Se compararmos com os processos contra Collor e Dilma, enfrentávamos problemas econômicos e havia um desgaste do governo perante à sociedade”, disse.

Miranda explica ainda que, mesmo que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aceite o pedido, o governo mantém maioria nas comissões e no plenário.

“O governo tem uma maioria sólida, por mais que exista uma queda de braço entre o Arthur Lira e o núcleo de organização política do governo. Lira é um político experiente, não entraria em uma aventura sabendo que irá perder”, afirmou.

Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL)
Presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) Foto: Zeca Ribeiro

O doutor em Direito Constitucional Flávio de Leão Bastos, professor da Faculdade de Direito do Mackenzie, diz que, ainda que a afirmação do presidente Lula seja “insustentável do ponto de vista histórico”, não expõe a República a uma situação de guerra.

“Eu não vejo, sobre uma perspectiva puramente jurídica, qualquer embasamento nesse pedido. Me parece muito mais um pedido político voltado para a bolha ou a base eleitoral desses membros do que um embasamento jurídico. O Brasil não cometeu nem o presidente Lula, muito menos, qualquer ato de hostilidade contra nação estrangeira”, disse.

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