OPINIÃO DO ESTADÃO
Confiante na alta da arrecadação – e convenientemente esquecido do aumento do déficit –, Lula quer gastar mais. Mas, fiel ao receituário petista, não se compromete em gastar bem
O governo não está satisfeito com o limite de gastos estabelecido pelo próprio governo. Menos de um ano após pactuá-lo com o Congresso, o presidente Lula da Silva quer nova licença para gastar. “A arrecadação está aumentando além daquilo que muita gente esperava”, disse Lula no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções. “Lógico que nós temos um limite de gastos, que, quando a gente tiver mais dinheiro, a gente vai ter que discutir com a Câmara e o Senado esse limite de gastos.”
De fato, em janeiro a arrecadação subiu 6,6%, chegando a R$ 280,3 bilhões, o valor mais alto em quase 30 anos. No entanto, o déficit primário também bateu seus recordes, e no ano passado chegou a R$ 230 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB. De resto, essa alta na arrecadação tem seus próprios limites. O Orçamento de 2024 peca por excesso de otimismo, superestimando as receitas e subestimando as despesas.
A maior parte da arrecadação prometida depende de novas regras de tributação dos benefícios fiscais concedidos aos Estados e de acordos de empresas com a Receita. Mas essas promessas estão longe de estar garantidas. O governo fala em tributar os “super-ricos”, mas essas receitas, também longe de garantidas, respondem por cerca de 12% do que o governo diz precisar.
O acerto de contas das empresas com a Receita, se sair, gerará um novo influxo de receita. Mas ela é provisória e os gastos já contratados (especialmente na PEC da Transição do fim de 2022), que agora Lula quer expandir, são recorrentes.
É a velha receita petista. O importante é gastar para estimular a economia. Conforme essa fantasia, as pessoas compram mais, as empresas investem mais e um tanto de déficit fiscal não faz mal a ninguém. Afinal, no adágio imortal de Dilma Rousseff, “gasto é vida”. Se o desajuste fiscal gera riscos e incertezas e pressiona a inflação e os juros, basta escoriar o Banco Central.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, continua a correr atrás de novas receitas, mas não tem autorização do chefe para cortar despesas com medidas como contingenciamentos e empoçamentos. O plano de revisão de gastos do Ministério do Planejamento segue em ponto morto.
Ao mesmo tempo, a contabilidade vai ficando cada vez mais criativa. Gastos com os investimentos estatais no PAC e as despesas da bolsa para alunos de baixa renda do ensino médio ou com o seguro rural foram excluídos da meta. Flerta-se com a ideia de classificar a ajuda financeira a Estados e municípios como “crédito extraordinário”, quando de extraordinário ela não tem nada. É só o padrão ordinário no Brasil. Basta o poder público ter alguma folga fiscal para contratar novos aumentos de salários e aposentadorias do serviço público, enquanto os investimentos em saneamento, escolas ou estradas se contraem.
Isso sem falar da parte do próprio Congresso, cujas emendas parlamentares, por exemplo, não param de crescer.
“Sem conseguir cumprir o que prometeu, e vulnerável à pressão por mais gastos e menos receitas, qual será a reação do governo nos próximos meses?”, perguntavam-se os economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes em um artigo de setembro de 2023 no Brazil Journal, cujo título responde a sua própria pergunta: Gastar, gastar, gastar. À época, os autores concluíam com outras questões sobre o governo: “Jogará a toalha, mudando a meta fiscal e assumindo que estamos em um regime fiscal inconsistente? Será que a equipe econômica terá capacidade para recobrar o controle da política fiscal? Irá apoiar autuações indiscriminadas das empresas privadas por parte da Receita para obter um resultado primário imediato, mesmo que insustentável a longo prazo? Ou vai sucumbir e avançar na contabilidade criativa?”. À luz da retórica perdulária de Lula, são perguntas que se provam cada vez mais retóricas. A resposta é “sim” a todas, exceto uma: a equipe econômica – se ainda lhe restar alguma vontade após ser tantas vezes desmoralizada pelo Planalto – dificilmente terá capacidade para recobrar o controle da política fiscal.