História de MARCELO TOLEDO – Folha de S. Paulo
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Com apenas duas linhas regulares de passageiros e uma em processo de implantação, o sistema ferroviário brasileiro se desmanchou após uma forte crise na agricultura, o interesse de governos pela expansão do transporte rodoviário e a não obrigatoriedade de manter rotas para o transporte de pessoas nas privatizações das ferrovias.
O desinteresse brasileiro por ferrovias ocorreu de forma gradativa com o passar das décadas no século passado. Depois de forte expansão com o ciclo cafeeiro na segunda metade do século 19, a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, paralisou investimentos e fez com que companhias ferroviárias sofressem impacto em suas receitas após cafeicultores não conseguirem exportar o café, à época chamado de “ouro verde” no interior paulista.
O período coincidiu com o governo do ex-presidente Washington Luís (1926-30), que tinha entre seus objetivos criar rodovias no país. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek também incentivaram de alguma forma em seus governos o transporte rodoviário, o que degradou as ferrovias.
“São Paulo se desenvolveu a partir das ferrovias, foram elas que o tornaram forte economicamente, não faz sentido não ter transporte de passageiros no estado”, disse José Manoel Ferreira Gonçalves, presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias).
Apesar do desincentivo, na década de 1960 o país ainda chegou a transportar 89 milhões de passageiros por ano em ferrovias de médias e longas distâncias, segundo dados da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos).
Na década seguinte, o total já tinha sido reduzido para 55 milhões anuais, num movimento que cada vez mais se acelerou, até chegar aos atuais 1,139 milhão dos dois trens sob concessão da Vale Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás.
Nos anos 80, a inexistência foi acelerada quando a extinta Fepasa (estatal paulista) fechou estações e suprimiu trilhos.
As privatizações ferroviárias feitas na segunda metade da década de 90 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) são apontadas como o capítulo derradeiro para a quase extinção do transporte de passageiros.
Os contratos, em sua maioria, não exigiam do concessionário a manutenção de trens de passageiros. Foi isso, por exemplo, que decretou o fim do transporte de passageiros na Noroeste do Brasil, que ligava Bauru, no interior de São Paulo, a Corumbá (MS).
A Novoeste, que levou a concessão, descartou recuperar o meio de transporte e afirmou que ele não era lucrativo. Só trens de carga operam em todo o trecho desde então, hoje sob gestão da Rumo Logística.
Sem investimentos em trilhos, nas locomotivas e no conforto para os passageiros, os trens nos anos 80 e 90 chegavam a trafegar com velocidade inferior a 20 km/h em alguns trechos de São Paulo e viagens feitas em três horas em ônibus levavam até sete nos trens.
As duas rotas interestaduais de passageiros em operação no país, ambas operadas pela Vale, transportam em média 3.120 passageiros por dia.
A mais movimentada, segundo a empresa, é a Estrada de Ferro Vitória a Minas, que liga Cariacica (ES) a Belo Horizonte numa rota de 664 quilômetros e que transportou no ano passado 741 mil passageiros. Já a Estrada de Ferro Carajás (São Luís-Parauapebas) levou 398 mil passageiros em 2023 em seus 861 quilômetros.
Com a característica de serem trens “paradores”, as viagens são longas. O Vitória a Minas parte às 7h de Cariacica e chega por volta das 20h30 à capital mineira, enquanto o Carajás deixa São Luís às 8h e chega a Parauapebas às 23h50.
Antes da pandemia de Covid-19 que afetou praticamente todos os sistemas de trens urbanos e metrôs no país, a Vitória-Minas chegou a transportar 1 milhão de passageiros. Nos dois casos, as rotas de passageiros compartilham as vias dos trens de carga.
A perda de passageiros ocorreu também no setor metroferroviário, composto por trens urbanos em regiões metropolitanas e sistemas como metrôs e VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos). O total transportado hoje equivale a cerca de 80% do período pré-Covid, segundo Joubert Fortes Flores Filho, presidente do conselho administrativo da ANPTrilhos.
Mas, mesmo no transporte de cargas, o Brasil patina em relação a outros países. De acordo com a ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), apenas 21,5% das cargas brasileiras são transportadas por ferrovias. É mais do que a China (14%), mas abaixo de Estados Unidos (27%), Canadá (34%), Austrália (55%) e Rússia (81%).
Enquanto o país tem 3,62 quilômetros de ferrovias para cada mil quilômetros quadrados de área, nos Estados Unidos há 29,86 quilômetros e, na Índia, 33,04.