História de IDIANA TOMAZELLI – Folha de S.Paulo
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O julgamento de disputas administrativas em torno do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), novo tributo a ser gerido por estados e municípios, virou alvo de um impasse na regulamentação da reforma tributária.
Segundo técnicos ouvidos pela Folha, ainda não há um consenso sobre qual o melhor formato a ser adotado ou a quem caberá a responsabilidade de uniformizar os entendimentos envolvendo IBS e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal.
O tema é tido como complexo, pois hoje cada estado e município (principalmente as capitais) tem uma instância própria de análise do chamado contencioso administrativo uma espécie de Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) local.
Nas discussões internas, há quem queira manter todas as estruturas atuais e só criar uma instância de harmonização dentro do Comitê Gestor do IBS. Outra ala quer criar um conselho dentro do colegiado para realizar os julgamentos.
Há dúvida também sobre qual seria a participação da União nesse processo, com atuação direta nas decisões ou apenas na harmonização. A existência do atual Carf será mantida.
Os embates são permeados por uma preocupação envolvendo as corporações. Enquanto alguns estados indicam seus auditores fiscais para participar dos julgamentos, como ocorre na União, outros contam com uma carreira específica de “julgadores tributários”. A questão é como ficariam esses servidores em caso de centralização das estruturas.
A comissão de sistematização, que coordena a formulação dos projetos de lei complementar ligados à reforma, discutiu o tema em reunião na semana passada, mas ficou de retomar o assunto diante da falta de consenso.
Segundo os relatos, esse é um dos tópicos mais delicados a serem resolvidos até o envio dos projetos.
O Ministério da Fazenda almeja apresentar as propostas ainda na primeira quinzena de abril e está sob pressão da cúpula da Câmara dos Deputados para cumprir esse prazo. Integrantes da pasta têm sido aconselhados a “escolher as brigas” para conseguir finalizar os textos legais e avançar na discussão.
Enquanto isso, parlamentares já se movimentam e apresentam projetos paralelos para dar uma possível saída ao “Carf do IBS”. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) propôs criar o Conselho Tributário do IBS e uma Câmara Técnica de Uniformização, formada por três representantes da União, três de estados e municípios e seis membros indicados por entidades de classe dos contribuintes.
As divergências sobre como deve ser conduzido o processo administrativo fiscal têm sua origem no modelo dual de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) escolhido para vigorar no Brasil. Embora tenha facilitado a aceitação política da reforma, diferentes técnicos reconhecem que a opção gerou desafios adicionais para a regulamentação.
IBS e CBS são definidos como “tributos espelhados”: embora com alíquotas diferentes, serão cobrados sobre uma mesma transação. Em termos mais técnicos, é o mesmo fato gerador que vai originar as duas obrigações tributárias.
Se o fato gerador é o mesmo, não faria sentido ter diferentes entendimentos sobre sua incidência mas esse é justamente o risco, caso as administrações tributárias e as procuradorias possam tomar decisões de forma descentralizada.
“Toda preocupação é que não se crie uma jurisprudência esparsa e dissonante. Essa é a premissa que tem suscitado as discussões. Senão, em vez de simplificar, acaba só criando uma nova confusão”, diz a procuradora-geral do Estado de São Paulo, Inês Coimbra. Ela também é presidente do Conpeg (Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal).
O alinhamento desejado, porém, esbarra em divergências de formato, papel e composição. Na avaliação de Coimbra, a discussão ainda é “um pouco mais embrionária” por mexer de forma ampla com toda a administração tributária.
O primeiro ponto a ser definido é se o IBS terá um único tribunal administrativo, provavelmente ligado ao Comitê Gestor, ou seguirá com as estruturas atuais de julgamento, descentralizadas.
No caso de um único tribunal, há dúvidas sobre como se dariam as indicações de seus integrantes. Se a opção for manter o desenho atual, será preciso ter uma instância de harmonização do próprio IBS.
Outro foco de preocupação é quem vai representar as administrações tributárias de municípios menores, que hoje não têm suas próprias procuradorias especializadas em temas tributários.
O governo não quer incentivar a proliferação de novas carreiras, e a função deve ser delegada a alguma estrutura já existente. Mesmo assim, houve divergências.
Uma ala queria que a interpretação jurídica fosse feita pelos próprios auditores fiscais municipais, o que é considerado indevido por alguns técnicos. A solução seria vincular os municípios menores às procuradorias das capitais, mas as próprias prefeituras pediram para serem representadas pelas procuradorias estaduais.
Há necessidade de alinhamento também com os entendimentos adotados no âmbito da CBS, para evitar situações esdrúxulas em que o contribuinte se livra da cobrança de um tributo, mas mantém a obrigação de pagar o outro, a despeito de o fato gerador ser o mesmo.
Segundo técnicos envolvidos na discussão, a União tenta resguardar para si a tarefa de ser o órgão central para dirimir as divergências e garantir que as jurisprudências de IBS e CBS caminhem juntas.
Essa reivindicação, porém, enfrenta resistência dos estados, que alegam impossibilidade legal de aceitar uma vinculação automática aos entendimentos tributários da União.
A discussão gira em torno apenas do contencioso administrativo. Como mostrou a Folha, há todo um debate em paralelo sobre como resolver os conflitos judiciais envolvendo os novos tributos.
O governo estuda uma nova PEC (proposta de emenda à Constituição) para criar um foro nacional que concentre os julgamentos ligados a CBS e IBS.
A proposta também estabelece um novo tipo de ação, chamada de ADL (Ação Declaratória de Legalidade), para que atores legitimados pela Constituição Federal possam acionar diretamente o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para fixar a interpretação jurídica sobre a aplicação dos novos tributos.
A proposta está sendo elaborada pela AGU (Advocacia-Geral da União) e pelo Ministério da Fazenda, em diálogo com o Judiciário e também estados e municípios.