História de Notas & Informações – Jornal Estadão

O Banco Central (BC) bem que tentou, mas o argumento técnico utilizado para explicar o racha entre os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) não convenceu todo o mercado financeiro, e os investidores rapidamente se ajustaram a esse cenário turbulento.

A última edição do Boletim Focus mostrou o preço da quebra das expectativas. Tudo piorou. A projeção para a inflação deste ano subiu de 3,76% para 3,80%, e para o IPCA de 2025, de 3,66% para 3,74%. A estimativa para o déficit primário deste ano aumentou de 0,64% para 0,70% do Produto Interno Bruto (PIB), e para o ano que vem, de 0,60% para 0,63% do PIB.

Para a Selic, a previsão dos analistas ouvidos pela pesquisa é a de que ela encerre o ano em 10% ao ano, ante 9,75% na semana anterior e 9,50% há um mês. O dólar, por sua vez, subiu de R$ 5,00 para R$ 5,04. E até a expectativa para o crescimento do PIB deste ano recuou de 2,09% para 2,05%, algo que não ocorria desde junho do ano passado.

Pode-se argumentar que há razões variadas por trás do mau humor manifestado pelo mercado. Há dúvidas sobre o início do corte de juros nos Estados Unidos, mais uma vez postergado em razão da inflação elevada e do crescimento da economia. No cenário interno, a mudança nas metas fiscais de 2025 e 2026 também não foi bem recebida nem o pedido de abertura de crédito extraordinário para permitir gastos extras de R$ 15,7 bilhões neste ano.

Esses fatores, no entanto, já vinham sendo assimilados pelos investidores nas últimas semanas, tanto que as expectativas já haviam piorado um pouco. A novidade, desde a semana passada, foi a divulgação da ata da reunião do Copom. Todos reconheceram que as expectativas de inflação estão desancoradas, mas isso não impediu que quatro dos nove diretores votassem por uma redução maior dos juros.

Se essa decisão se deveu, de fato, à defesa da sinalização dada pelo Copom na reunião anterior, e não por tolerância dos membros indicados pelo presidente Lula da Silva com uma inflação mais alta, isso poderá ser comprovado em breve. O teor do documento foi considerado duro e não deixou muito espaço para uma nova redução da taxa básica de juros na reunião de junho. Na dúvida, os analistas ajustaram suas posições para a Selic e para a inflação – ambas para cima, o que, em tempos normais, soaria até contraditório.

Outro aspecto ainda a ser devidamente mensurado pelo mercado é o impacto das chuvas no Rio Grande do Sul. O Estado é hoje a quarta maior economia do País, e as cheias atingiram as regiões mais pujantes, como a região metropolitana de Porto Alegre e a Serra Gaúcha, além de municípios populosos como Santa Maria e Pelotas.

Retomar as atividades será um processo lento e que pode causar efeitos severos na economia gaúcha, mas os impactos da tragédia não são unicamente locais. Fábricas da Volkswagen em São Paulo, por exemplo, anunciaram férias coletivas por falta de peças fornecidas por empresas instaladas no Rio Grande do Sul, que estão impossibilitadas de produzi-las e transportá-las a outras localidades.

Há ainda risco de que a calamidade no Sul impulsione o preço dos alimentos em todo o País e derrube a arrecadação estadual e dos municípios gaúchos. Novas rodadas de repasses de recursos são mais do que esperadas.

Sabe-se que a ajuda federal já anunciada, de R$ 12,2 bilhões, será suficiente apenas para ações emergenciais e não dará conta do valor necessário para a reconstrução da infraestrutura do Estado nem para o apoio permanente a uma parcela de população que não compunha o grupo dos vulneráveis, mas que pode vir a necessitar de benefícios assistenciais para sobreviver em um cenário de destruição.

A depender da forma como essa ajuda venha a se materializar, pode haver uma percepção de piora do quadro fiscal, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, ainda mais pressão sobre os juros. Nesse cenário, as próximas declarações dos integrantes do Copom e as decisões do Banco Central serão analisadas com lupa. A autonomia e a credibilidade da instituição serão postas à prova.

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By valeon