História de NELSON DE SÁ – Folha de S. Paulo

PEQUIM, CHINA, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou em Pequim que o embaixador do Brasil em Tel Aviv, Frederico Meyer, não voltará a ocupar o cargo depois do episódio em que teria sido humilhado, nas palavras de Amorim, pelo chanceler israelense, Israel Katz.

Consultado, o Itamaraty informou que Meyer retornou a Israel, embora não tenha reassumido a embaixada.

“Nós não tínhamos alternativa”, disse Amorim, sobre a convocação de Meyer a Brasília, em fevereiro. “Nosso embaixador foi humilhado. Eu acho que ele não volta. Se vai outro, eu não sei. Ele não volta, porque ele foi humilhado pessoalmente, mas ao ser humilhado pessoalmente foi o Brasil que foi humilhado. A intenção foi humilhar o Brasil”, declarou.

A crise diplomática foi deflagrada por causa de uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante uma viagem a Adis Abeba, capital da Etiópia. Em entrevista coletiva, ele afirmou que a ofensiva de Israel em Gaza, como resposta aos atentados terroristas do Hamas, se assemelhava ao que Adolf Hitler fez quando “resolveu matar os judeus”.

Posteriormente, Lula até tentou se retratar ao dizer que não citou a palavra Holocausto. De fato, ele não usou o termo, diretamente ligado ao extermínio do povo judeu, mas a associação de ideias foi condenada imediatamente por Israel.

Naquele mesmo dia, horas depois, Meyer foi convocado pelo chanceler Israel Katz a dar explicações sobre a fala de Lula. O encontro estava inicialmente previsto para ocorrer na sede do ministério de Relações Exteriores, na tarde do dia seguinte. Pela manhã, Meyer foi avisado que o local da reunião seria o Yad Vashem, mais importante memorial sobre o Holocausto.

A mudança inusitada de local em cima da hora e a forma como os israelenses organizaram a reprimenda foi vista pelo Itamaraty como uma forma de constranger o governo brasileiro. “Em meu nome e em nome dos cidadãos de Israel, diga ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que retire o que disse”, afirmou Katz, ao lado de Meyer, no local escolhido.

Katz, porém, se expressou em hebraico, língua que Mayer não fala. Com isso, ele só foi se inteirar sobre o que havia sido dito sobre Lula depois. Em resposta, o Itamaraty chamou o embaixador de volta ao Brasil para consultas e convocou o representante israelense no Brasil, Daniel Zonshine, para dar explicações.

“Eles querem que o Brasil brigue, aí nós paramos”, afirmou Amorim sobre o chanceler Katz, que por diversas vezes ironizou Lula em publicações nas redes sociais e reafirmou que aguardava um pedido de desculpas do presidente, que não ocorreu. “Não comentamos mais as coisas que ele tem dito. Disse que o Lula é mentiroso. Eu nunca vi [isso].”

Amorim disse que em Israel “havia, com toda a dificuldade que tinha, o desejo de negociar”. “Havia o desejo de chegar a uma conclusão, de lado a lado, e hoje em dia não há.”

A comparação da guerra em Gaza com o extermínio de judeus na Europa não foi a única fala do presidente mal recebida pela comunidade judaica. Logo após os ataques do dia 7 de outubro, quando o Hamas invadiu o sul de Israel e matou cerca de 1.200 pessoas, segundo Tel Aviv, Lula condenou os atos, mas não citou o nome da facção.

“Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, afirmou na ocasião.

A primeira vez que o presidente usou o termo “terrorismo” para qualificar o Hamas diretamente aconteceu no dia 20 de outubro, após diversas cobranças. Na ocasião, ele mencionou as crianças vítimas de bombardeios israelenses.

“[Elas] não pediram para o Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo, atacando Israel, mas também não pediram que Israel reagisse de forma insana e as matasse”, afirmou. Segundo o Hamas, quase 36 mil pessoas já foram mortas na ofensiva israelense.

Com o tempo e o agravamento da crise humanitária no território palestino, o petista foi adotando um tom cada vez mais crítico à resposta do governo israelense, que deixou enormes áreas urbanas de Gaza em ruínas.

Em dezembro, por exemplo, Lula criticou o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e chamou a guerra de genocídio. “Como governante, ele é uma pessoa muito extremista, de extrema direita e com sensibilidade baixa em relação aos problemas do povo palestino”, disse ele durante uma entrevista em vídeo à emissora Al Jazeera, do Qatar. “Ele pensa que os palestinos são pessoas de terceira ou quarta classe.”

Semanas depois, no Natal, Lula discursou durante evento na base da Força Aérea em Brasília com repatriados de Gaza e defendeu a criação de um Estado palestino. “Não é possível [aceitar] a morte de tantas mulheres e crianças, a destruição de todo o patrimônio que foi construído pelo povo palestino”, afirmou.

Muitas das declarações repercutiram negativamente em parte da comunidade judaica brasileira. A Conib (Confederação Israelita do Brasil), por exemplo, pronunciou-se quando Lula chamou a guerra de genocídio e quando comparou a morte de palestinos com o Holocausto.

Ao repudiar a última declaração, a entidade afirmou que o governo brasileiro adota uma postura extrema e desequilibrada em relação ao conflito.

“A Conib repudia as declarações infundadas do presidente Lula comparando o Holocausto à ação de defesa do Estado de Israel contra o grupo terrorista Hamas”, afirmou a confederação. “Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes.”

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By valeon