História de JÉSSICA MAES – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As mudanças climáticas provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa das atividades humanas dobraram a probabilidade de ocorrência das chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul. O El Niño teve um papel igualmente importante, enquanto falhas de infraestrutura pioraram os danos provocados pelas inundações.
As conclusões são de um estudo do WWA (World Weather Attribution) feito por pesquisadores do Brasil, Reino Unido, Suécia, Holanda e Estados Unidos divulgado nesta segunda-feira (3).
A análise levou em consideração a precipitação em dois intervalos de tempo: de quatro dias, 29 de abril a 4 de maio, e de dez dias, de 26 de abril a 5 de maio. Ambos os eventos foram considerados extremamente raros no clima atual, ocorrendo aproximadamente uma vez a cada 100 anos.
Nos dois cenários, a crise climática aumentou em mais de duas vezes a probabilidade de ocorrência da chuva extrema no estado e a tornou de 6% a 9% mais intensa.
O El Niño teve um impacto equivalente, aumentando a probabilidade das chuvas em duas a três vezes e a intensidade de 4% a 8% para o evento de dez dias, e de duas a cinco vezes e 3% a 10% para o evento de quatro dias.
O levantamento se baseia em técnicas de atribuição climática, ciência que busca determinar a influência do aquecimento global em eventos climáticos extremos.
Devido a sua natureza imediata, os resultados dos estudos de atribuição rápida do WWA, feitos logo após a ocorrência de fenômenos como ondas de calor e tempestades, não são revisados por pares até a sua divulgação -mas a metodologia usada é, o que certifica a confiabilidade dos resultados.
“No Rio Grande do Sul, esse padrão de chuva volumosa e intensa é consistente com o El Niño, mas estudos já mostraram que com as mudanças climáticas esses eventos vão aumentar, se tornando maiores e mais persistentes”, diz Regina Rodrigues, pesquisadora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) que participou do estudo.
Cientistas apontam que o pico do El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico na região da linha do Equador, já passou e que nos próximos meses ele deve ser substituído pelo La Niña, com águas mais frias nesta mesma região.
Apesar disso, a pesquisadora explica que eventos extremos de chuva são esperados no sul do país na fase de arrefecimento do fenômeno.
“As maiores inundações no sul do Brasil [em anos de El Niño] ocorrem, na verdade, em maio, chegando até mesmo a julho”, afirma. “Por exemplo, enchentes de 1983 no vale do rio Itajaí-Açu [em Santa Catarina], foram em julho, no final do grande El Niño de 1982 e 1983. Portanto, o fato de o El Niño estar enfraquecendo no oceano Pacífico não significa que não tenha impacto no Brasil”.
“Isso é algo que deveria ser incorporado pelos formuladores de políticas públicas e ainda não foi”, diz Rodrigues.
Ela aponta, ainda, que desde 2014 não houve nenhum ano “neutro”, ou seja, sem a ocorrência de El Niño ou La Niña -e ambos causam eventos climáticos extremos no Brasil. No Sul, o La Niña causa seca, que vinha se estendendo por três anos antes da chegada do El Niño atual, que traz mais chuva para a região.
“Isso é muito típico das previsões dos impactos das mudanças climáticas, com múltiplos anos de La Niña e com o El Niño mais forte”, diz.
As inundações que atingiram o estado gaúcho foram uma das tragédias ambientais mais significativas do país, atingindo 90% dos municípios do estado, afetando 2,3 milhões de pessoas e levando a pelo menos 172 mortes. Em duas semanas, choveu o equivalente a três meses dos níveis normais de precipitação na região, diz Rodrigues.
O estudo ressalta que previsões e alertas de inundações estavam disponíveis quase uma semana antes das chuvas, mas que os avisos podem não ter alcançado todos os que estavam em risco. A população também pode não ter entendido a gravidade dos impactos ou saber quais ações tomar em resposta às previsões.
Além disso, a falta de manutenção e investimentos em mecanismos de prevenção de enchentes é apontada como um fator importante para que o desastre tenha tomado proporções tão grandes.
Os autores afirmam que, devido à característica multifatorial que levou não apenas às chuvas extremas, mas à dimensão da tragédia, com milhões de pessoas impactadas, as medidas de adaptação climática adotadas daqui para frente precisam refletir essa complexidade.
“Algumas das principais prioridades devem incluir a manutenção robusta do sistema de proteção contra enchentes que já existe em Porto Alegre e aumentar a vegetação e espaços abertos [nas proximidades de corpos d’água] na capital e em outros municípios para aumentar a capacidade do tecido urbano de absorver água”, enumera Maja Vahlberg, pesquisadora do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que também faz parte da equipe.
Ela acrescenta, ainda, que outras medidas necessárias são o fortalecimento da legislação e da fiscalização ambientais –para restaurar ecossistemas e prevenir a construção em áreas altamente propensas a enchentes– e a redução da pobreza, incluindo a melhoria das condições de vida para as populações mais vulneráveis.
“O país de fato tem avançado nesse sentido, por exemplo, por meio do aclamado programa de proteção social do Brasil, o Bolsa Família, que é identificado como um dos fatores por trás da clara redução da pobreza no país”, afirma Vahlberg. “Por fim, melhorias contínuas na comunicação de riscos são imperativas para garantir que os alertas precoces levem a ações apropriadas, que salvam vidas”.