História de Gabriel Sales – IGN Brasil
Mineração da China agora está de olho no Himalaia e a razão é muito simples© Fornecido por IGN Brasil
A “corrida do ouro” do século 21 tem o zelo exploratório daquela outra febre da mineração desencadeada na Califórnia em meados do século 19, mas pouco ouro. O seu foco está em outra classe de materiais, cruciais para o setor tecnológico: as terras raras, um conjunto de elementos químicos de enorme valor industrial e cuja cadeia de exploração e distribuição ganhou enorme peso na China. O governo do país não quer perder essa posição hegemônica e é por isso que a China voltou a sua atenção para os valiosos recursos minerais dos Himalaia, além do potencial uso para inteligência artificial.
O tesouro escondido no Himalaia – Ou melhor, sob o Himalaia. A notícia foi divulgada no ano passado pelo jornal South China Morning Post (SCMP): geólogos chineses já localizaram uma grande reserva potencial de minerais de terras raras na cordilheira que separa as planícies do subcontinente indiano do planalto do Tibete. Há cerca de dez anos, cientistas chineses identificaram terras raras e lítio em algumas amostras de rochas recolhidas no Tibete. Essa descoberta acidental ofereceu-lhes uma primeira pista.
Os cientistas acreditam agora que a reserva de minérios do Himalaia poderá ser comparável ou superior à registada em algumas das grandes jazidas exploradas pela China, o que lhe permitiria reforçar o peso do país no setor.
Mas… o que está realmente escondido? – Em 2017 a revista Science China Earth Science publicou um estudo que nos ofereceu algumas pistas sobre a riqueza mineral do Himalaia. Os cientistas já apontavam àquela altura a existência de duas faixas de mais de mil quilómetros com potencial interessante. “A mineralização de metais raros foi observada nos cinturões de Tethyan e do Alto Himalaia”, observaram os estudiosos: “Nosso estudo preliminar da região mostra um grande potencial adicional para a mineralização de metais raros no que pode se tornar o cinturão metalogenético economicamente mais importante do país.”
Um prêmio que não é isento de desafios – Os recursos minerais escondidos no Himalaia podem ser promissores, mas certamente não são fáceis de localizar. O SCMP afirma que o seu cinturão se estende por mais de mil quilômetros, em uma vasta faixa de terra localizada em uma região remota. Tais características tornam um desafio localizar precisamente onde estão localizados depósitos minerais raros, o que pode exigir anos ou décadas de trabalho.
Desafios técnicos… e geopolíticos – O desafio não reside apenas no quão remoto o Himalaia pode ser, pois sua localização representa um problema geopolítico. A China tem uma disputa territorial de longa data com a Índia na fronteira sul do Tibete. Já em 2019, o Institut für seltene erden und metalle AG, uma organização com sede na Suíça, alertou que a mineração chinesa na cordilheira poderia prejudicar as já tensas relações diplomáticas entre Pequim e Nova Deli.
Nessa altura, a China tinha iniciado operações mineiras em grande escala no seu lado da fronteira com o Himalaia, depois de localizar uma grande reserva de ouro, prata e outros minerais valiosos.
Além da mineração – “Embora a mineração seja praticada na cordilheira mais alta do mundo há milhares de anos, o desafio do acesso a terrenos remotos e as preocupações ambientais limitaram até agora o âmbito das atividades. A escala sem precedentes das novas minas é “devida a anos de trabalho substancial investimento do Governo em estradas e outras infra-estruturas na região”, refletiu a organização suíça, com sede em Lucerna.
Os técnicos deixaram várias ideias interessantes: que a maioria dos minerais valiosos, entre os quais citaram terras raras, estavam localizados no condado de Lhunze, “um importante centro militar na China”; e que as minas poderiam fazer parte de um plano de Pequim para se reforçar no sul do Tibete.
IA, aliada da mineração – Neste contexto, o ritmo é um valor crucial. Os próprios geólogos do governo chinês reconhecem: quanto mais cedo uma nação conseguir identificar depósitos de minério, maior será a “vantagem estratégica” que usufruirá mais tarde. E é aí que a IA desempenha um papel crucial. Pesquisadores chineses trabalham há anos com apoio governamental em uma ferramenta capaz de aproveitar dados coletados por satélites e outros meios com o propósito preciso de localizar depósitos de terras raras no planalto tibetano.
Muito preciso. A em questão IA é tão refinada que os cientistas do Laboratório Estatal de Processos e Recursos Geológicos da Universidade Chinesa de Geociências em Wuhan estimam que ela atingiu uma precisão de 96%. Não é um mau número se levarmos em conta que quando foi treinada, com dados limitados, ofereceu uma taxa de precisão de apenas 60%. Seu foco está na busca por uma forma única de granito que possa conter recursos como nióbio e tântalo ou lítio. O SCMP especifica, entretanto, que a ferramenta ainda precisa ser aprimorada para o comissionamento.
Objetivo: manter a hegemonia – O peso da China na produção e distribuição de terras raras é inquestionável. Em 2022, o Fórum da Ásia Oriental estimou que, graças ao investimento e aos esforços na cadeia de abastecimento, o país conquistou entre 50 e 60% da quota de mercado mineiro e retumbantes 90% do processamento intermédio. O gigante asiático possui importantes bases de produção na Mongólia Interior e nas províncias do sul.
Uma luta contra todos – O SCMP aponta, no entanto, que a sua posição dominante da China ao longo das décadas: de ter cerca de 43% das reservas mundiais nas décadas de 80 e 90 teria descido para uma taxa inferior a 37% em 2021, segundo apuração Jornal de Hong Kong. Entretanto, o Ocidente lançou uma procura de recursos que provaram ser fundamentais para tecnologias emergentes ou processos tão cruciais como a transição verde.
A Turquia, o Japão, a Europa e os EUA têm participado da procura de recursos, onde há empresas que também recorreram à IA com o mesmo propósito da China: extrair o “novo ouro”.